Debates foram conduzidos por Luís Antônio Giampaulo Sarro, tiveram as participações de Lívia Dalla Bernardina Abreu e Elias Marques de Medeiros Neto e a contribuição de Caio de Sá Dal’Col e Luiz Henrique Volpe Camargo
Na última quinta-feira (08), a Associação Internacional do Direito do Seguro – AIDA Brasil – realizou a sétima fase do ciclo de palestras de “Código de Processo Civil Anotado e Comentado”. Na sessão, os Professores Lívia Dalla Bernardina Abreu e Elias Marques de Medeiros Neto abordaram os temas ‘Ações de Família e Penhora do percentual sobre o faturamento’, respectivamente. A live foi apresentada pela diretora de cultura e eventos Institucionais da AIDA, Gaya Scheneider, e pelo coautor e Diretor de pós-graduação e OAB/TV da Esa Es, Victor Massante Dias e mediada pelo presidente do GNT de Processo Civil da AIDA, Luís Antônio Giampaulo Sarro.
Lívia iniciou sua apresentação explicando que o procedimento especial das ações de Família do CPC 2015, de natureza contenciosa, não foi regulamentado pelo CPC de 73. O código revogado regulamentava somente a ação de separação judicial consensual, que era uma espécie do gênero dos procedimentos especiais de jurisdição voluntária. Em 2007 veio a lei 11.441 e trouxe a separação e o divórcio consensuais extrajudiciais, para casais sem filhos menores ou incapazes. Isso também passou a ser regulamentado no código da época.
O CPC 2015 inovou disciplinando as ações de família de natureza contenciosa, que passaram então a constituir um procedimento especial. Tem, portanto, regras procedimentais específicas para aquelas peculiaridades dos conflitos familiares. É importante destacar que estão fora deste capítulo (X) as demandas consensuais, que vão seguir o procedimento previsto nos artigos 731 a 734. O artigo 693 diz que será aplicável aos procedimentos contenciosos de divórcio, separação, reconhecimento e extinção de união estável, guarda visitação e filiação.
Por força do parágrafo único desse mesmo artigo, a ação de alimentos foi expressamente excluída do procedimento previsto no capítulo. Assim, segue-se utilizando o rito previsto na lei de alimentos – 5478/68. Não há qualquer óbice para que esse procedimento especial seja utilizado também na fixação de alimentos, na acumulação de outras questões tipicamente de família, em homenagem ao princípio da eficiência e economia processual, desde que sejam resguardadas as peculiaridades da lei de alimentos e que atenda justamente a natureza especialista da demanda.
“Fica aqui a crítica dessa exclusão da ação de alimentos do rol de procedimentos especiais do CPC 2015. A meu ver ela, vai na contramão de toda a ideologia trazida pela obra”, disse. Considerados, sobretudo, o estímulo do livro à resolução consensual dos conflitos, o que fica ainda mais evidente nas ações de família é que teria sido adequado que o legislador tivesse abrangido também a ação de alimentos no rol das ações de família, porque essa exclusão trás relevantes impasses práticos.
Já com relação à competência, nota-se que o CPC 73 previa que era competente o foro de residência da mulher para ação de separação e conversão em divórcio e para anulação do casamento. No novo código a competência para o processamento e julgamento de todas essas ações passa a ser do juízo do local do domicílio do guardião do filho incapaz. Se não houver filho incapaz será o foro do último domicílio do casal. E se nenhuma dessas partes residir mais no último domicílio do casal a competência domicílio do réu. Também é importante notar que se a ação envolver vítima de violência doméstica ou familiar vai ser competente o foro do domicílio da vítima.
Nas ações de família essa ênfase do CPC 2015 à solução consensual da controvérsia é ainda mais evidente. Por isso, o legislador estimulou a integração entre profissionais de outras áreas, devendo o magistrado dispor de auxílio para realizar audiência de mediação ou conciliação e também buscar pelo atendimento multidisciplinar. Nos locais onde não houver esse auxílio de mediadores e conciliadores para condução de sessões inaugurais o magistrado tem que assumir esse ‘munus’. O juiz deve se empenhar na solução extrajudicial ou consensual se esforçando para esclarecer quais são os caminhos postos à disposição das partes, as vantagens e desvantagens de cada opção, sem coação das partes.
O artigo 695 previu a técnica específica para o procedimento especial das ações de família. E nesse âmbito, não existe a possibilidade das partes declinarem da audiência de mediação, alegando desinteresse na autocomposição, que é o que ocorre no procedimento comum. “A obrigatoriedade de comparecimento revela uma clara tentativa da inserção de uma cultura de consensualidade”, explicou. Prevê também que a citação vai vir desacompanhada da petição inicial, contendo apenas os dados indispensáveis para comparecimento da sessão. A ideia do legislador é estimular autocomposição.
“É papel do advogado, quando tiver acesso a todo o teor da petição ou as alegações da parte, fazer uma análise cuidadosa e um filtro antes de passar as informações para o cliente da maneira mais adequada, colaborando com a construção do acordo entre as partes”, reforçou. Além de não ser entregue a contrafé, a citação por comparecimento a sessão de mediação vai respeitar o intervalo mínimo de 15 dias. Concilia a urgência, que é geralmente inerente aos processos de família, com a fixação de um prazo mínimo.
Na audiência de mediação, é indicado que as partes tentem viabilizar acordo com relação à forma de prosseguimento da demanda, a fixação do calendário processual, a produção de prova, fato controvertido e etc.. Já especificamente sobre a realização da sessão inaugural de mediação de conciliação, o artigo 696 admite essa maior intensidade, complexidade dos sentimentos nos conflitos familiares. As regras buscam prestar um tratamento multidisciplinar, realmente integral aos conflitos familiares.
“O CPC 2015 abre caminho para um constante fluxo de técnicas processuais entre o procedimento comum e procedimento especial e também entre os próprios procedimentos especiais. O processo permite essas eventuais alterações procedimentais, de acordo com o desenrolar do conflito. Porque ele é sempre um instrumento para a gente chegar à solução adequada e integral do mérito”, concluiu.
Penhora do percentual sobre o faturamento (CPC, art. 866)
Na segunda parte da sessão, o advogado Elias Marques de Medeiros Neto contou que, enquanto preparava sua tese de doutorado, ele verificou que o faturamento ainda era pouco considerado como uma solução para se ter uma execução sempre eficiente. “A conclusão que cheguei é que ele é pouco compreendido e nós temos um problema de estrutura para implementá-lo adequadamente”, diz. De acordo com o professor o Código de Processo Civil de 2015 manteve, ainda que com refino um pouco melhor em relação ao artigo 655, § 3º, do CPC/73, a lógica de que a penhora do faturamento é excepcional, quase que a tratando como sendo algo muito ruim para o devedor.
Durante sua explanação, Neto revisitou alguns princípios para contextualizar o tema. Segundo ele, outra lógica estruturante extremamente importante para o sistema é a busca pela efetividade processual, seja na igualdade de tratamento, seja na possibilidade de dar ao autor praticamente o que ele tem direito, como se o processo não fosse necessário.
Ele comenta que o CPC 2015 estabelece um diálogo bastante construtivo com a Constituição Federal, e que traz a figura de um juiz cooperativo, muito próximo da realidade dos fatos, do diálogo com todos os envolvidos, além de um sistema simples, coeso e que prega pela economia processual e que não esquece a importância da execução. Para dar ainda mais sustentação à sua teoria o advogado trouxe ainda artigos importantes e chaves que contextualizam a questão do artigo 866. “Quando se pensa em execução se pensa em realização do direito. Quem trabalha com execução tem que enxergar o melhor método de fazer com que todo o sistema funcione para que o bem seja entregue ao credor”, explicou.
De acordo com o advogado, após a “Grande Reforma ocorrida entre os anos 2005/2006” o sistema trazia muitas técnicas de incentivo de adimplemento espontâneo e começou-se neste período a se falar cada vez mais do que hoje entendemos como atipicidade dos meios executivos. Na época iniciou-se também uma grande marcha de como fazer com que a execução realmente fosse cada vez mais eficiente e efetiva.
O CPC traz esse espírito, renova diversas técnicas de incentivo ao de adimplemento espontâneo, traz muito a figura de um juiz cooperativo, participativo. Fica nítido no 772, inciso III, a necessidade do juiz expedir ofícios para ajudar na localização do devedor ou dos bens do devedor que são possíveis de penhora. Ocorre também uma ligeira ampliação dos bens penhorados, permitindo-se, por exemplo, a penhora de salário acima de um determinado montante, muito prestígio a efetividade, com uma execução mais cara sem dúvida. Agora, com honorários fixados em 10% podendo se chegar a 20%. O devedor passa a ter a possibilidade de participar da indicação de qual bem será penhorado. Se o executado não tiver outros bens penhoráveis ou se os que ele estiver forem de difícil alienação, o credor, o juiz pode pensar na penhora de percentual de faturamento da empresa.
Para que a público acompanhasse suas críticas ao artigo, o advogado convidou todos a se aventurar sobre o conceito de faturamento e o papel do administrador, além de fazer mais perguntas. “Quando ocorre a constrição sobre o faturamento, ocorre a constrição sobre todo e qualquer valor que entra na organização. Todo aspecto de entrada patrimonial dentro da organização compõem este grande conceito que é o conceito do faturamento. Os ganhos futuros, as possibilidades reais de entrada também entram no plano de negócio, no plano de gestão que o administrador terá que desenhar”, garantiu.
O patrimônio é a base de cálculo para fixação do percentual e o percentual devido deve ser visto por um administrador, que certamente vai sopesar as reais necessidades do capital de giro para organização e o quanto é necessário para pagamento de imposto e da outras obrigações da companhia, de modo a não gerar prejuízo para a sua subsistência. A sofisticação da penhora exige primeiro um exame do universo fiscal, contábil e financeiro da pessoa jurídica. Necessita de um expert que entenda da atividade empresarial e o ramo de atividade da empresa.
Na visão do profissional, a penhora de faturamento não deve ser tão excepcional. Uma vez havendo o manejo de todas as ferramentas da família “Jud”- Sisbajud, bacenjud, infojud – na medida em que tudo isso de alguma forma não gere frutos, o segundo passo já seria a penhora de faturamento. “Quanto mais simples e célere for a detenção de erros, melhor para execução. E a penhora de faturamento ainda que ela dê errado, no mínimo ela permite que um perito ingresse dentro da organização e descubra exatamente o que aconteceu possibilitando até outros mecanismos previstos no código, como o incidente de desconsideração da personalidade jurídica ou mesmo os questionamentos via Instituto da fraude à execução”, defendeu.
O palestrante ainda chama a atenção para a importância de se olhar sempre com muita velocidade qual é o patrimônio do devedor, pois disso depende o sucesso da execução. Caso não haja bens o procurador está dispensado de iniciar a sua execução. Para ele, a penhora de faturamento é uma boa aliada nessa busca de se ter uma fotografia mais célere de qual é a capacidade do devedor pagar. “Vejo a possibilidade de as partes combinarem, como já na sessão fiduciária de crédito. Vejo aqui um bom campo para negócio processual, para se estipular que, uma vez não havendo satisfação imediata da execução, por que não se disciplinar uma forma de se fazer a constrição do faturamento via negócio processual à luz do artigo 190?”, questionou.
Assista a live completa no canal da AIDA