O termo ASG, referência a compromissos socioambientais e de governança por parte das empresas, não é novo, mas a pandemia da Covid-19 disparou o alerta de urgência para essas questões, relacionadas ao desenvolvimento sustentável. Empresas passaram a ser cada vez mais cobradas sobre suas práticas ASG e o mercado financeiro, estimulado por gestoras como a BlackRock, entrou de vez no tema com a adoção de critérios ASG em suas políticas de investimentos.
O setor de seguros, em que o risco é a razão de ser de sua existência, não ficou de fora. Para o presidente da Confederação Nacional das Seguradoras – CNSeg, Marcio Coriolano, o tema impacta a atividade seguradora nas duas pontas: dos riscos cobertos e da gestão das provisões técnicas.
“O setor depende, crucialmente, de questões ambientais, sociais e de governança, visto que a matéria prima do seguro é o risco. Os riscos ASG perpassam todos os setores de atividade que demandam seguros”, afirmou Coriolano. Segundo ele, a cada momento ou processo em que os riscos são mitigados, sejam riscos ambientais, sociais ou de governança, aumenta a possibilidade de penetração e inclusão social, na medida em que a mitigação reduz a severidade desses problemas.
Em sua participação no painel “ASG – A agenda do futuro já começou”, na Conseguro 2021, o presidente da CNSeg também destacou o montante de R$ 1,4 trilhão em provisões técnicas necessárias para mitigar riscos, incluindo ASG, dinheiro aplicado em vários ativos cuja composição, diversidade são monitorados pela regulação federal. “Quanto mais políticas claras, procedimentos transparentes e assertivos, esses ativos poderão ser aplicados em empresas com padrões elevados de ASG”. Na visão de Coriolano, a expertise no gerenciamento de riscos e a capacidade do setor de seguros de gerar recursos para investimentos em ativos que consideram os princípios ASG tornam as seguradoras players estratégicos para a agenda de sustentabilidade.
Nos últimos anos, a gestora BlackRock tem sido muito ativa na defesa da adoção de critérios ASG na definição dos portfólios. No começo da pandemia, carta publicada por Larry Fink foi considerada um divisor de águas no mundo das finanças. O CEO da maior gestora de ativos do mundo, com US$ 2,4 trilhões sob seus cuidados, anunciou que, no centro de sua política de investimentos, estariam critérios ASG.
O objetivo é melhorar o resultado de longo prazo para nossos clientes olhando também as métricas não financeiras, mas de sustentabilidade, que são essenciais e trazem retorno”, explica Cindy Shimoide, head do grupo de Consultoria de Investimento e Portfólio Multi-asset para a América Latina na BlackRock. Segundo ela, estudos comprovam que empresas que tiveram maior redução na emissão de carbono têm desempenho melhor do que as que foram menos eficientes neste quesito. Considerar os critérios ASG não diz respeito só à alocação de capital, mas também sobre o retorno do capital.
A executiva da BlackRock lembrou o duplo papel das seguradoras quando o tema é ASG, por estarem expostas aos riscos climáticos dos dois lados: nos investimentos e em seus próprios negócios. “A busca é por formas de hedgiar (proteger contra) esses riscos naturais nas carteiras de investimento. Olhar para critério ASG é fundamental nesta estratégia. ”
O diretor-presidente do instituto Ethos, Caio Magri, fez um apanhado da evolução do tema ASG e da participação de diversas entidades na construção de uma agenda socioambiental e de governança. “Foram várias mudanças nas métricas para medir mudanças climáticas e no monitoramento de impacto social e ambiental, com novas metodologias. A cultura de indicadores que cria materialidade é muito importante”, comentou Magri.
No momento, o Ethos está revendo alguns indicadores relacionados à estratégia ASG. “Queremos promover o controle social consciente da responsabilidade nas empresas. E também promover o reconhecimento da sociedade pelos esforços das empresas e organizações. É uma perspectiva que pode gerar materialidade, organização e engajamento”, acrescentou.
Em relação aos avanços nas últimas décadas, quanto aos compromissos socioambientais, o diretor-executivo do Pacto Global da ONU, Caio Pereira, destacou que há uma exigência da sociedade para que todos olhem o planeta, em especial o clima. “As empresas e o mercado financeiro estão refletindo esta pressão da sociedade. Antes, era difícil reunir CEOs em defesa desta agenda. Hoje, não há qualquer desafio nesse sentido”, comentou.
Falando em perspectiva, Rogerio Studart, senior fellow do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), defendeu a ideia de que uma agenda ASG pode tirar o país da crise atual, marcada por baixo crescimento e desemprego elevado. “Outros problemas são a falta de acesso a financiamento de longo prazo e a excessiva dependência ao setor agroexportador. Vários países, como a China, já colocaram a agenda de sustentabilidade como eixo de seu crescimento. O Brasil precisa fazer o mesmo”, disse.
Studart reconhece que esta necessidade vem se consolidando nas lideranças privadas, no setor financeiro e na sociedade, mas que isto não basta. Segundo ele, é preciso que as lideranças políticas tenham a visão de ampliar e fazer surgir projetos sustentados, e um setor financeiro disposto a investir e utilizar instrumentos de mitigação de risco.
SEGURADORAS TÊM POTENCIAL ESTRATÉGICO NA CERTIFICAÇÃO DE RISCOS ASG
Há uma oportunidade se abrindo para o setor se seguros na transição para uma economia de baixo carbono, afirmou o economista e ecologista Sergio Besserman, coordenador Estratégico do Climate Reality Project no Brasil e curador de Clima e Sustentabilidade do Museu do Amanhã. Besserman foi um dos palestrantes do painel “Integrações das questões ASG nas operações do setor de seguros”, da Conseguro 2021, evento da Confederação Nacional das Seguradoras – CNseg.
“O conhecimento para o seu próprio negócio torna as seguradoras stakeholders estratégicos para todo o processo. Empresas certificadas pelas seguradoras sobre riscos climáticos podem ter diferenciais na hora de fazer um IPO, por exemplo”. Besserman destacou ainda que, se para outros países a atenção às questões ASG representam custos, para o Brasil, significa oportunidade. “O Brasil é o único país do mundo que, caso a economia global vá realmente para o baixo carbono, ganhará inserção e competitividade”, avaliou.
Para Fátima Lima, presidente da Comissão de Integração ASG–CIASG e diretora de Sustentabilidade da MAPFRE, o setor precisa estar preparado para entender que as questões socioambientais e corporativas podem ser vistas como riscos, mas também devem ser consideradas oportunidades de negócio e diferencial competitivo.
“Nosso dever de casa é entender como essas questões podem ser integradas nos processos de análises e subscrição de risco, regulação de sinistros e salvados e na inovação para criar oportunidades ASG”. Fatima comentou ainda um estudo sobre o tema. “No final de 2020, o Loyds of London publicou o primeiro relatório ASG, no sentido de restringir a cobertura de seguros para setores com ASG crítico. Essas questões fazem parte do posicionamento já adotado por grandes empresas de seguros no âmbito global”.
O diretor da Susep, Vinicius Brandi, disse que o regulador tem papel essencial nesse processo. “Temos um arcabouço mais geral que define as diretrizes e os princípios para os sistemas de controles internos e estruturas de gestão de riscos das empresas. A ideia é que a regulamentação acabe se comunicando com essas regras gerais”, afirmou.
Brandi acrescentou que a Susep tem tentado eliminar regras para se aproximar da realidade das empresas. “Optamos por regras proporcionais, fugindo da armadilha do ‘one size fits all’. Sabemos que o mercado tem várias iniciativas. O papel do regulador é identificar as melhores práticas e nivelar a atuação do setor e encaixar a sustentabilidade na estrutura macro de governança”, explicou.
Na avaliação de Samya Paiva – Membro da Comissão de Gestão de Risco da CNseg e Diretora de Risk Management da Zurich Brasil Seguros, é esperado das empresas posicionamento e medições dos riscos climáticos no portfolio. “As questões ASG estão presentes na cadeia como um todo. Como está o meu cliente? E o meu parceiro de negócios? A empresa não pode olhar os impactos climáticos no seu balanço, sem se preocupar com o do cliente ou do parceiro. Por isso, o setor financeiro tem um papel estratégico e precisa se posicionar de forma clara, para poder cobrar metas, métricas claras, reportadas de maneira consistente”.
Samya avalia que um fator-chave para o setor desenvolver boas práticas de sucesso é a colaboração entre as seguradoras e, internamente, entre as diversas seções de uma empresa. “É necessária uma excelente governança entre as várias áreas que participam do processo de sustentabilidade. Seja a área de varejo, comercial, operações, finanças, risco, responsabilidade social-corporativa, eventualmente o RH. Este assunto é estratégico do board”.
Relatório de Sustentabilidade
A moderadora do painel, Solange Beatriz Palheiro Mendes, diretora-executiva da CNseg, destacou que o mercado segurador brasileiro é apontado como uma liderança em sustentabilidade. “O Brasil é o País com o maior número de signatários nos princípios para sustentabilidade em seguros – o PSI – constituído pela ONU para ser uma referência mundial ao mercado segurador”. Solange citou ainda alguns dados sobre as práticas ASG no setor:
• 65% das empresas já treinam seus analistas e gestores em ASG;
• 45% oferecem treinamentos periódicos sobre o tema para suas lideranças;
• 20% incluem na meta de desempenho da alta liderança questões ASG;
• 85% consideram essas questões na homologação e contratação de fornecedores e prestadores de serviços.
Mudanças climáticas já impactam economia e aumentam necessidade de mitigar riscos
“Vivemos hoje a urgência do presente, quando nunca antes a questão do clima foi tão dramática. Recentemente, o IPCC, o painel sobre o clima da ONU, alertou que 2021 seria, como está se confirmando, um ano de eventos climáticos extremos. Eventos como as inundações na Alemanha e na Bélgica, durante o verão europeu, e as ondas de calor e incêndios no Canadá e nos Estados Unidos são alguns exemplos que reforçam a urgência em reduzir as emissões de gases do efeito estufa. Felizmente, o setor de seguros tem demonstrado um papel estratégico no gerenciamento dos riscos climáticos, tendo incorporado a agenda ASG há anos”, afirmou a jornalista e editora da Revista Plurale, Sônia Araripe, durante o painel “Contribuição do Setor de Seguros para o Clima”, que moderou na Conseguro 2021, evento da Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg).
O presidente do Grupo de Trabalho de Riscos Climáticos da GFIA, a Federação Internacional das Associações de Seguros, Christian Pierotti, lembrou que na Europa, o maior setor econômico é o de seguros, o que reforça seu papel em contribuir com a agenda de sustentabilidade. “É um setor que protege as pessoas, as empresas e, portanto, a economia, tendo um papel-chave para mitigar riscos”.
Pierotti informou que as enchentes na Alemanha causaram perdas, em termos de infraestrutura, de 30 bilhões de euros, além de vidas humanas. “São vários os eventos atribuídos ao aquecimento global que precisam das seguradoras para mitigar as consequências. E a tendência é de que os eventos cresçam em frequência e severidade, o que será um enorme desafio para todos”, comentou.
O superintendente de Sustentabilidade da SulAmérica, Tomás Carmona, lembrou que o setor de seguros vem se organizando para responder a estes desafios desde a Rio+20 quando foram lançados os Princípios para Iniciativa de Seguros Sustentáveis (PSI, na sigla em inglês). “Existe uma convergência das seguradoras e dos reguladores para discutir a sustentabilidade dentro da lógica do seguro e também como investidor institucional com potencial para dar uma contribuição direta ao tema”, comenta Carmona.
Na visão do executivo, o pano de fundo do debate é o gap de proteção das sociedades em relação ao percentual que ainda não tem seguros, e que precisa ser reduzido. “O Brasil é o país que tem o maior número de seguradoras e resseguradoras signatárias do PSI e isso é fruto da consciência de todos e do trabalho da CNseg para engajar o setor nessa discussão”. Carmona citou como exemplo de riscos de saúde que tendem a crescer em função das mudanças no clima, como os problemas respiratórios, infecciosos e alergias. “O impacto é inevitável e o desafio é medir todos esses impactos e trazê-los para a lógica de subscrição. ”
O economista e coordenador estratégico do Climate Reality Project no Brasil, Sergio Besserman, apresentou dados alarmantes sobre a necessidade de o mundo acelerar o passo na direção da economia do baixo carbono. Embora nas últimas três décadas a consciência e os projetos voltados ao meio ambiente venham ganhando espaço, metade das emissões de gases de efeito estufa ocorreram neste período e de forma crescente. “Na COP26, no final do ano em Glasgow (Escócia), será demonstrado que pouco foi feito em relação à meta de US$ 100 bilhões investidos em financiamento climático, mas gasta-se US$ 500 bilhões para distorcer os preços da economia de mercado global com subsídios diretos aos fosseis”, afirmou o especialista, acrescentando que tudo que tem ocorrido no clima é apenas “a ponta do iceberg” e que a situação vai piorar ainda mais.
Na visão de Besserman, que também é membro Conselho Consultivo do Museu do Amanhã, para a humanidade ter alguma chance de cumprir a meta de reduzir o aumento da temperatura de 2 graus para 1,5, é preciso diminuir as emissões à metade até 2030 e zerar as emissões liquidas até 2050. “Uma empresa percebida como incapaz de acompanhar a transição nesta velocidade corre severo risco de perda de valor e até de desaparecer. Elas estão nos portfólios dos investidores e terão seu valor corrigido. Demoramos muito e agora não haverá aterrissagem suave”, alertou.
Quem se mostrou um pouco mais otimista foi o diretor da Autoridade do Desenvolvimento Sustentável da Associação Comercial do Rio de Janeiro, Paulo Protásio, responsável pela organização da Conferência Rio+30 em 2022, que marcará os 30 anos da ECO92. “Eu entendo que o momento atual é de ver oportunidades e não de lamentar o que não foi feito. Precisamos fazer um compromisso de transformação que atinja todas as áreas, ambiental, econômica, financeira, sociedade e governos”, comentou. “É possível buscar desenvolvimento sustentável. Vinte e um países demonstraram, ao longo dos últimos anos, que dá para aumentar o PIB e reduzir emissões. O quadro é grave, mas há muita esperança”. Protásio, que também foi o responsável, na época por trazer a ECO92 para o Rio de Janeiro, afirmou que o Governo do Estado, por meio da Autoridade do Desenvolvimento Sustentável, está de braços abertos para o setor de seguros para ajudar a pensar os caminhos para o desenvolvimento sustentável.
Olhando em perspectiva, Sergio Besserman também pontuou oportunidades únicas para o Brasil liderar esta agenda de desenvolvimento sustentável. “Nossa geografia favorece uma matriz energética limpa e barata, seremos campeões no uso da biomassa e temos a maior biodiversidade do mundo. São alguns elementos que nos credenciam a isto”, afirmou. “A infraestrutura do Brasil é precária e precisamos investir, já em bases sustentáveis. Em países desenvolvidos, esta infra é moderna e terá que ser refeita sob novas bases com prejuízos enormes”. Na visão do economista, o país tendo esta consciência e investindo em pesquisa e desenvolvimento, terá uma inserção na economia global de forma mais competitiva e relevante.