Artigo l Respeito ao ZARC – Obrigação do Produtor/Segurado

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Uma análise da obrigação legal e contratual que deve ser observada pelo segurado, como elemento essencial à quantificação e aceitação de risco

Conforme conceituado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento[1], “o Zoneamento Agrícola de Risco Climático (ZARC) é um instrumento de política agrícola e gestão de riscos na agricultura. O estudo é elaborado com o objetivo de minimizar os riscos relacionados aos fenômenos climáticos adversos e permite a cada município identificar a melhor época de plantio das culturas, nos diferentes tipos de solo e ciclos de cultivares. A técnica é de fácil entendimento e adoção pelos produtores rurais, agentes financeiros e demais usuários.”

E nesse sentido o Zoneamento Agrícola é essencial para a quantificação e aceitação do risco, pois delimita as regiões ou zonas com potencial de clima e solo para a exploração de uma determinada cultura, ou seja, determina a melhor época de semeadura para cada município, considerando também o tipo de solo e o cultivar utilizado, para que as fases mais críticas da lavoura tenham menor probabilidade de coincidência com as adversidades climáticas (como estiagens, altas temperaturas, geadas, granizos, etc.).

Trata-se de Programa Nacional regido pelo Decreto 9841/19, trazendo melhor qualidade de dados sobre riscos agroclimáticos no Brasil. Esta metodologia técnico-científica é anualmente implementada e aplicada pela EMBRAPA, mediante a coordenação do MAPA, o qual por meio da Secretaria de Política Agrícola publica portarias contendo o resultado do estudo.

Os usuários diretos destes estudos científicos e imperativos são os produtores rurais, que devem respeitar as janelas de plantio, inclusive para que possam se beneficiar de financiamentos, programas de governo (PROAGRO e PROAGRO MAIS), assim como para que tenham direito a subvenção de prêmio de seguro rural (PSR).

O Decreto 5121/04, que regulamentou a Lei 10.823/03, que por sua vez dispõe sobre a subvenção econômica ao prêmio do Seguro Rural, desde 2004 determina que apólices de seguro agrícola subvencionadas – o Estado paga parte do prêmio do seguro, viabilizando a aquisição da garantia pelo produtor rural – devem exigir do segurado, como condição para obtenção do benefício, sejam observadas as orientações do ZARC. Vale transcrever artigo específico da legislação:

Art. 24. Para as culturas temporárias, o seguro rural subvencionado deverá ser contratado em conformidade com o zoneamento agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

§ 1º Na inexistência do zoneamento referido no caput, para determinadas regiões ou culturas, poderão ser seguidos zoneamentos agroclimáticos de outras instituições oficiais de pesquisa, a critério do Comitê Gestor Interministerial do Seguro Rural.

§ 2º Os zoneamentos referidos no § 1o deste artigo deverão considerar critérios probabilísticos na delimitação das datas de plantio e riscos das culturas.

Por esta razão que o produtor rural que deseja se beneficiar da subvenção deve firmar TERMO DE RESPONSABILIDADE PARA PARTICIPAÇÃO NO PROGRAMA DE SUBVENÇÃO AO PRÊMIO DO SEGURO RURAL, onde expressamente se compromete em cumprir as recomendações estabelecidas nas portarias de zoneamento agrícola de risco climático do MAPA (cultivar, data do plantio e tipo de solo)[2], sob pena de, em descumprindo, ver cancelada a subvenção federal ao prêmio, culminando  com a obrigação de devolução do valor, acrescido de sanções.

Daí que as cláusulas estabelecidas em contratos de seguros agrícola que exigem o cumprimento pelos segurados das regras do ZARC não se dão por capricho das seguradoras. Ao contrário, seguem a ciência como instrumento para conhecimento e minimização dos riscos decorrentes de fenômenos climáticos, além de buscar a melhor técnica para preservação e proteção do mútuo. Claro, como se não bastasse a obrigatoriedade da regra em se tratando de apólices subvencionadas. Ou seja, desde o ato da contratação o segurador assume exclusivamente os riscos assinalados na apólice, dentro dos limites nela fixados, consoante preceitua art. 757 do Código Civil Brasileiro. E o risco aceito, de forma científica, observando os preceitos legais da legislação atinente a atividade agrícola no país, pressupõe o respeito rigoroso ao ZARC.

Neste sentido, nos parece no mínimo equivocadas as sustentações feitas no sentido de que a exigência de respeito ao Zoneamento Agrícola de Risco Climático pelas seguradoras é abusiva ou mesmo desconhecida do segurado que deseja e realiza esta transferência de risco. Primeiro porque não é crível e sequer permitido pelo nosso ordenamento jurídico que o produtor agrícola beneficiado pela subvenção do prêmio sustente o desconhecimento da lei e de informação elementar, comezinha, da sua atividade econômica. A dois, porque não se impõe, neste particular, a vulnerabilidade propagada pelo Código de Defesa do Consumidor.

E antes mesmo de minimamente aprofundar a análise desta peculiar relação de consumo, o foco do desenvolvimento do tema deve estar justamente no dever legal de respeito ao zoneamento agrícola em se tratando de apólice subvencionada. É defeso ao cidadão alegar o desconhecimento da lei. E no caso não faltam regras, compromissos, responsabilidades e deveres impostos pela legislação. Qual produtor não sabe da sua obrigação? Admitir esta hipótese do desconhecimento daquilo que é o básico para o exercício desta atividade econômica desafia a inteligência de quem lê ou ouve o absurdo argumento.

Segurado que se beneficia da subvenção para a transferência de seu risco para a seguradora tem o dever legal, e não apenas contratual, de respeitar o ZARC.

Mas a obrigação é também contratual, em relação onde a vulnerabilidade deste consumidor que adquire o produto/serviço – seguro – como insumo da sua atividade econômica deve ser, pelo menos, relativizada, buscando a equidade e a harmonia das relações contratuais.  O objetivo do Código de Defesa do Consumidor é tutelar de maneira especial um grupo da sociedade que é efetivamente mais vulnerável. Não é o caso, especialmente neste particular, do produtor rural.

Poder-se-ia facilmente aplicar ao tema a corrente Finalista, da comemorada doutrinadora consumerista, Claudia Lima Marques, segundo a qual para que esteja caracterizada a figura do consumidor é essencial que este seja o destinatário final, fático e econômico do bem ou serviço. Não é suficiente para a caracterização da relação de consumo, e com ela as peculiaridades quanto à proteção do consumidor hipossuficiente e vulnerável, que o produto seja apenas retirado da prateleira. É condição imperiosa que a aquisição do produto ou do serviço não se dê para uso profissional por aquele que o adquire:

“Destinatário final é aquele destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa jurídica ou física. Logo, segundo esta interpretação teleológica não basta ser destinatário fático do produto e retirá-lo da cadeia de produção, e leva-lo para o escritório ou residência, é necessário ser destinatário final econômico do bem, não adquiri-lo para revenda, não adquiri-lo para uso profissional, pois o bem seria novamente um instrumento de produção cujo preço será incluído no preço final do profissional que o adquiriu.”[3]

Não há como sequer se falar em mitigar tal teoria, eis que não se vislumbra qualquer vulnerabilidade técnica pelo produtor rural, profissionalmente obrigado a conhecer das regras do Zoneamento Agrícola de Riscos Climáticos.

Em homenagem à reflexão vale trazer ensinamentos do também comemorado consumerista Bruno Miragem, que escreve em sua obra Curso de Direito do Consumidor[4]:

“O reconhecimento de presunção absoluta de vulnerabilidade a todos os consumidores não significa, contudo, que os mesmos serão igualmente vulneráveis perante o fornecedor. A doutrina e a jurisprudência vêm distinguindo diversas espécies de vulnerabilidade.

A vulnerabilidade técnica do consumidor se dá em face da hipótese na qual o consumidor não possui conhecimentos especializados sobre o produto ou serviço que adquire ou utiliza em determina relação de consumo.

Entretanto, em relação ao consumidor, sobretudo o consumidor não profissional, que não adquire o produto ou serviço para fins profissionais, presume-se ausente o domínio de tal conhecimento. E da mesma forma subsiste a presunção com relação ao consumidor profissional, quando não se possa deduzir desta sua atividade, conexão necessária com a posse de conhecimentos específicos sobre o produto ou serviço objeto da relação de consumo. Daí sua condição de vulnerabilidade técnica.”

Ora, a conclusão é inevitável. Subsiste no tema em análise a presunção de que, em sendo o produtor rural/segurado consumidor profissional, está presente a conexão necessária de que o mesmo possui conhecimento específico sobre a imperiosa observância do Zoneamento Agrícola de Riscos Climáticos para que tenha cobertura do seguro contratado. Não há vulnerabilidade técnica.

Igualmente não há vulnerabilidade jurídica, presumida quando se trata de consumidor não especialista, não profissional. Diz o Professor Bruno Miragem, fazendo referência à Professora Cláudia Lima Marques[5]:

“A vulnerabilidade jurídica é presumida com relação ao consumidor não especialista, pessoal natural, não profissional, a quem não se pode exigir a posse específica destes conhecimentos. Todavia, com relação ao consumidor pessoa jurídica, ou o consumidor profissional, é razoável exigir-lhe o conhecimento da legislação e das consequências econômicas dos seus atos, daí porque a presunção neste caso, ainda que se trate de presunção relativa (iuris tantum) é de que deva possuir tais informações.”

No mesmo sentido não se aplica ao caso a vulnerabilidade fática do produtor/segurado, de nenhuma forma débil e/ou desprovido de porte econômico que lhe alcance o conhecimento e a equivalência de capacidade em foco.

Na recente obra publicada pelo Professor Bruno Miragem e pela Professora Luiza Petersen, Direto dos Seguros[6], o tema da vulnerabilidade é também abordado no cenário da contratação de seguro que visa garantir a atividade econômica do segurado. Vejamos:

Nessas condições, o segurador será considerado fornecedor de um serviço (art. 3º, § 2º do CDC) e nessa qualidade ser-lhe-ão imputados os deveres previstos no Código, respondendo igual pela infração a estes, de acordo com o regime legal que ele prevê. É decisivo, contudo, considerar a distinção dos contratos de seguro, conforme as características que apresentem, entre os que se caracterizam como contrato de consumo e os denominados seguros empresariais, Nestes, embora se possam, mesmo segundo o regime comum, reconhecer situações em que se deva tutelar o interesse do segurado dada sua desvantagem perante o segurador, não revelam fundamento para a proteção sistemática mediante extensão desmedida da qualidade de consumidor, inclusive por equiparação.

E mais:

Essas alterações substanciais na dogmática comum do contrato de seguro, quando se qualificam como contratos de consumo e atraem a incidência do Código de Defesa do Consumidor, destacam a importância da aplicação estrita das normas de proteção quando caracterizada a presença de consumidor, ou a vulnerabilidade demonstrada cabalmente, que justifique a extensão pontual de suas normas em favor do segurado. De resto, a aplicação das normas de proteção do consumidor, especialmente nos seguros empresariais, poderá conduzir a situações disfuncionais, inclusive perturbando a base atuarial do contrato.

Por todos os ângulos se impõe o respeito pelo segurado da regra legal (apólices subvencionadas) e contratual de observação do ZARC. Não se vê possível, técnica e cientificamente, sequer a relativização do prazo de plantio determinado pelo ZARC – seja de um dia ou dez dias após – pois que tal abriria grave precedente, além de não ser possível mensurar agronomicamente, com exatidão e posteriormente, a alteração do risco originalmente contratado. Lembrando que a preservação do mútuo pressupõe a predeterminação do risco e sua probabilidade.

Juliano Ferrer

Presidente da Associação Internacional de Direito de Seguro – Seção Brasil

Acadêmico e Membro da Cátedra de Agronegócio da ANSP

Professor da disciplina de Seguro Rural no MBA de Gestão Jurídica em Contrato de Seguro e Inovação da Escola de Negócios e Seguros (ENS)

Coautora

Maria Izabel Indrusiak Pereira

Vice-Presidente do Grupo Nacional de Trabalho de Agronegócio e Seguro


[1] https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/riscos-seguro/programa-nacional-de-zoneamento-agricola-de-risco-climatico/zoneamento-agricola

[2] Resolução CGSR nº70, de 29/10/2019

[3] MARQUES, Cláudia Lima, Contratos no Código de Defesa do Consumidor: O novo regime das relações contratuais, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 253-254

[4] MIRAGEM, Bruno, Curso de Direito do Consumidor, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, 6ª Ed. Rev. Atual. e Ampl., 2016, p. 129-130

[5] MIRAGEM, Bruno, Curso de Direito do Consumidor, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, 6ª Ed. Rev. Atual. e Ampl., 2016, p. 129-130

[6] MIRAGEM, Bruno, PETERSEN, Luiza, Direito dos Seguros, 1. Ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2022

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