De Mona Lisa a Napoleão: o que os roubos no Louvre nos ensinam

0
13

(*) Ricardo Minc

O recente roubo das joias na Galerie d’Apollon, no Museu do Louvre, em Paris, reacende uma discussão fundamental sobre a vulnerabilidade dos patrimônios históricos — mesmo daqueles abrigados em instituições de renome mundial. Em uma ação rápida e meticulosa, ladrões invadiram o espaço, quebraram vitrines e levaram oito joias históricas de valor simbólico e financeiro incalculável, incluindo uma coroa usada pela imperatriz Eugênia, esposa de Napoleão 3ᵒ. Este episódio reforça que, mesmo com tecnologia avançada e protocolos rigorosos, o risco zero não existe.

Curiosamente, o Louvre não é estranho a grandes furtos. O caso mais famoso é o roubo da Mona Lisa, em 1911, quando Vincenzo Peruggia, ex-funcionário do Louvre, roubou a obra mais famosa do mundo. Durante mais de dois anos, a pintura esteve desaparecida, e o museu optou por deixar o espaço vazio como um símbolo de luto, nunca colocando uma cópia no lugar da original — apesar de muitas cópias históricas terem circulado, algumas até confundidas com o original. Esse episódio histórico revela como até os ícones culturais mais protegidos podem se tornar alvo de crimes que abalam a identidade coletiva.

No Brasil, casos de roubos e tragédias expõem fragilidades semelhantes. O roubo no Museu da Chácara do Céu, em 2006, durante o carnaval no Rio de Janeiro, resultou no desaparecimento de obras fundamentais de Picasso, Dalí, Monet e Matisse, além de um livro raro. Estimado em cerca de US$ 50 milhões na época — o que equivaleria hoje a algo entre R$ 450 e R$ 550 milhões —, o crime permanece sem solução e reforça a gravidade dos riscos que rondam nosso patrimônio cultural.

Além dos furtos, o fogo é outro inimigo devastador. Incêndios como o do Museu Nacional, em 2018, que destruiu 85% do acervo, e o Museu da Língua Portuguesa, em 2015, deixaram lacunas irreparáveis na memória cultural do país. A natureza estática da maior parte dos acervos os torna particularmente vulneráveis ao fogo — o risco mais severo em ambientes fechados.

O roubo de joias, por sua vez, traz uma complexidade especial. Por serem bens de altíssimo valor, fáceis de transportar e passíveis de rápida descaracterização — podendo ser desmontadas ou fundidas, essas peças podem desaparecer rapidamente no mercado paralelo ou servir a operações financeiras ilegais. No entanto, no caso do Louvre, o valor simbólico e histórico das joias torna improvável que sejam simplesmente derretidas, indicando que seu destino pode estar em coleções privadas clandestinas ou como garantia em operações financeiras.

Outra preocupação crescente são os chamados riscos emergentes. Atos de vandalismo e ataques motivados por questões políticas, ideológicas ou ambientais têm ganhado visibilidade. Protestos recentes, nos quais ativistas lançaram tinta e alimentos sobre obras de Van Gogh, Monet e Vermeer, mostram como museus e galerias se tornaram palco de manifestações simbólicas. Embora muitas vezes sem intenção de destruição definitiva, esses ataques expõem falhas na segurança e criam riscos reputacionais significativos.

Diante desse cenário complexo, o seguro para obras de arte precisa ser abrangente e especializado. Apólices do tipo “all risks” — que cobrem todos os riscos exceto os explicitamente excluídos — são essenciais para garantir proteção efetiva, pois as que cobrem apenas riscos nomeados tendem a deixar lacunas perigosas. Além disso, cláusulas específicas, como valor acordado, recompra em caso de recuperação, cobertura para vandalismo, greves e terrorismo, e isenção de regresso a transportadores e restauradores, são fundamentais para evitar longas disputas e garantir indenizações justas.

Museus, galerias e colecionadores privados apresentam perfis de risco distintos, que impactam diretamente na gestão e precificação do seguro. Museus públicos enfrentam alta circulação de visitantes e grande movimentação de obras; galerias lidam com riscos maiores devido à constante circulação para feiras e exposições; já colecionadores privados, apesar de menor risco operacional, demandam forte proteção contra incêndio, roubo e danos internos.

No entanto, o seguro, por si só, não é suficiente. A proteção efetiva depende de uma gestão integrada de risco, que inclui infraestrutura adequada, sistemas de alarme e combate a incêndio, controle ambiental rigoroso, treinamento contínuo das equipes e planos de emergência e continuidade. A digitalização e o backup do acervo, além de estratégias de comunicação de crise, são práticas indispensáveis para fortalecer a resiliência das instituições culturais.

Por fim, proteger o patrimônio cultural é proteger nossa identidade coletiva — algo que nenhuma indenização financeira poderá restaurar por completo. Ainda assim, o seguro oferece a capacidade de reação, permitindo que instituições financiem pesquisas, restaurações e aquisições, e sigam cumprindo sua missão cultural. É um instrumento indispensável para garantir que, mesmo diante das perdas, o legado cultural continue vivo. (*) Ricardo Minc é diretor de Esportes, Mídia e Entretenimento da Howden Brasil

DEIXE UM COMENTÁRIO

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.