Debates foram conduzidos por Luís Antônio Giampaulo Sarro e tiveram as participações de Maristela Basso, Maurício Morais Tonin, Marcos Geraldo Batistela e André Gustavo Salvadora
A Associação Internacional do Direito do Seguro – AIDA Brasil realizou a décima terceira fase do ciclo de palestras de “Código de Processo Civil Anotado e Comentado”. A live foi apresentada e mediada pelo presidente do GNT de Processo Civil, Luís Antônio Giampaulo Sarro. Teve as participações de Maristela Basso e Maurício Morais Tonin, que explanaram sobre os temas “Cooperação judiciária internacional e a nova prática trazida pelo CPC 2015” e “Remessa Necessária e Honorários de Sucumbência”, respectivamente. Também contou com as presenças de Marcos Geraldo Batistela e André Gustavo Salvador Kauffman, que contribuíram propondo reflexões e questionamentos as respeito dos assuntos abordados.
Em sua palestra, Maristela Basso tratou dos principais aspectos do novo Código de Processo Civil, no que diz respeito ao capítulo internacional. Tanto da aplicação das regras de cooperação jurídica judiciária internacionais, quanto das questões relativas à parte internacional geral, como competência do juiz nacional, competência do juiz estrangeiro e também da litispendência.
Há, no que diz respeito a essa parte internacional do novo CPC uma novidade metodológica, que foi a transferência da parte internacional para o início da obra, a partir do artigo 21. Anteriormente, no livro de 1970, existiam algumas regras esparsas, entre os artigos 88 e 91.
Entretanto, se essa é uma notícia alvissareira, outra notícia não tão alvissareira é o fato de que não temos grandes mudanças relacionadas à competência do juiz nacional e a competência do juiz estrangeiro. Também não há novidades em relação um tema importantíssimo que é o da litispendência.
“De qualquer forma, a gente pode cumprimentar o novo legislador processual, porque ele incluiu nessa parte inicial do código, onde estão os temas mais importantes relativos ao processo internacional, uma parte pequena, mas expressiva, sobre cooperação judiciária, que ficou bem colocada a partir dos artigos de 24, 25, 26 e seguintes”, disse.
A parte relativa à cooperação judiciária, especificamente, não existia, não constava no código anterior, e agora se encontra a partir do artigo 26 do novo Código. Os três grandes motes da fala de Maristela foram a transferência da parte internacional para a parte inicial do Código de Processo Civil,o fato de que a cooperação judiciária foi incorporada a essa parte relativa ao processo de Internacional, sem grades novidades à prática que já se fazia, e que não há inovações substanciais, relevantes, na parte internacional.
A magistrada acredita que ao tratar da cooperação judiciária é preciso saber onde ela se insere na perspectiva do Código de Processo Civil, e porquê que se insere ali e em nenhum outro lugar do código.
Para ela, antes da cooperação propriamente dois temas são fundamentais quando se estuda o processo internacional, a parte internacional do novo Código de Processo Civil. O primeiro deles é o tema da competência da autoridade judiciária.
Na perspectiva internacional, quando se examina uma relação jurídica que gera efeitos em dois ou mais países ao mesmo tempo, seja na perspectiva empresarial, como por exemplo um contrato celebrado entre um brasileiro e um alemão, de importação e exportação, ou outra natureza, sempre que uma relação jurídica que está sendo examinada tem seus efeitos econômicos e jurídicos, não apenas dentro da órbita jurídica brasileira, mas extrapola para outra órbita jurídica, para outro país, pergunta-se qual a lei, qual o direito material, o direito substancial aplicável.
Essa questão da lei aplicável sempre vem à tona quando a relação jurídica em análise gera efeitos em mais de um país ao mesmo tempo. Porém, antes de se perguntar qual a lei competente, qual o direto competente, pergunta-se se o juiz brasileiro é competente ou não. Antes de se resolver o conflito de direito material no espaço, questiona-se se é possível levar essa questão/relação jurídica à análise do juiz brasileiro. Se é possível levá-la ao juiz brasileiro e também ao juiz estrangeiro. O tema do conflito de jurisdição é importantíssimo e antecede ao conflito de leis no espaço.
“Eu começo com o tema da competência do juiz e da competência do juiz nacional concorrente – pode juiz brasileiro, mas pode qualquer outro juiz – e com a competência exclusiva”. Ou seja, a partir do artigo 21 do novo código de processo civil, que inaugura com o título “competência internacional”, diz.
Mas não é só a competência internacional, só a competência de um juiz estrangeiro. É a competência tanto do juiz brasileiro quanto do juiz estrangeiro. Os artigos 21 e o 22 do novo código tratam da competência concorrente. Porque existem dois tipos de concorrência na perspectiva do juiz que julga: a competência concorrente, ele pode julgar, mas outro juiz também pode. Na perspectiva internacional o juiz brasileiro pode julgar, mas qualquer outro juiz também pode julgar; e a competência exclusiva – só pode juiz brasileiro e nas mesmas hipóteses, contrário sensu, só pode o juiz estrangeiro.
O artigo 21 já existia, era o 88, e diz que é competente o juiz brasileiro para julgar quando o réu, qualquer que seja a sua nacionalidade, estiver domiciliado no Brasil. Se tratando de pessoa jurídica sempre que essa pessoa jurídica tiver domicílio no Brasil – agência filial ou sucursal. “Sempre que o réu, pessoa física ou jurídica tiver domicílio no Brasil ou tiver uma representação oficial com agência filial ou sucursal”, explicou.
Segunda hipótese, no Brasil tiver que ser cumprida a obrigação. Local onde a obrigação deva ser executada. Terceira hipótese, quando o ato em análise ou o fato, objeto da análise se originaram no país, foram praticados no território nacional. Essas três hipóteses permitem que qualquer que seja a matéria – civil, comercial, tributária – ela seja levada a análise do juiz brasileiro.
Artigo 21 caput diz compete a autoridade judiciária brasileira processar e julgar as ações. Por outro lado, interpretação contrário sensu, compete a qualquer outro juiz, em qualquer outro país onde aquela relação jurídica gera efeitos econômicos e jurídicos.
Tratando de o artigo 22, que não havia no código anterior, diz que compete ainda a autoridade brasileira sobre a perspectiva concorrente julgar ações de alimentos quando o credor estiver domiciliado no Brasil, o réu mantiver vínculos no Brasil, tais como proprietário de bens, recebimento de rendas e decorrente de relações de consumo.
“Observem, tudo sob uma perspectiva concorrente. Também posso procurar essas ações relativas a alimentos, a relações de consumo em outro país, sempre que naquele país houver uma e irradiação de efeitos”, indicou.
No que diz respeito à competência exclusiva – o artigo 23 do novo código, que antes estava no 89 do código anterior, trata da competência exclusiva do juiz. Ele diz que compete a autoridade judiciária brasileira com exclusão de qualquer outro. O que significa que é da competência exclusiva do juiz brasileiro.
“Naquelas hipóteses dos incisos do artigo 23, se o bem objeto da discussão não estivesse situado no Brasil, a competência seria do juiz estrangeiro. Todas a questões relativas a imóvel, sob a perspectiva dos direitos das coisas, dos direitos reais, individualmente considerado, a análise é da competência do juiz brasileiro”. afirmou.
Os bens, imóveis, podem ser examinados sob duas perspectivas: a dos direitos reais, enquanto bem individualmente considerado, e sob a perspectiva da família e sucessão, quando os bens/ imóveis constam de um universo de patrimônio. O tema da competência exclusiva está sempre atrelado a bem imóvel, seja individual, seja na perspectiva da família e sucessões. “O que se esperava que o novo legislador fizesse é que ele abrisse os olhos para o fato de que existem outros campos do direito onde há bens em que o registro é constitutivo e declaratório como o imóvel e que precisam estar precisa estar no novo Código de Processo Civil,” reforçou.
Litispendência e cooperação judiciária
Quanto à litispendência, ela antes estava no artigo 90 do código de processo civil, hoje está no artigo 24. É a repetição de um artigo no Código de Processo Civil, ou seja, de um preceito legal, que vai de encontro a um princípio de ordem pública internacional. “Aí faltou conhecimento dos legisladores do processo internacional que é o princípio da não simultaneidade. Eu não deveria propor a mesma ação, a mesma causa, o mesmo objeto de pedir, perante dois juízes ao mesmo tempo em países diferentes”, destacou. Sucessivamente poderia, mas não simultaneamente porque temos uma coisa julgada primeiro, em qualquer país que seja, que deve ser obedecida, respeitada.
De acordo com Maristela, o tema da cooperação jurídica internacional também é a parte do processo internacional bastante fácil e ficou muito mais digestivo agora com a incorporação dessas regras que ajudam o juiz brasileiro, ajudam os juízes estrangeiros se dirigir para o Brasil e ajudam aos praticantes do direito. A partir do artigo 26, tem-se a cooperação judiciária que passou a ser regida por tratado ou pelo princípio da reciprocidade, quando não há tratados entre os países estabelecendo como dar-se-a.
Portanto, se um tratado não dispor de forma diferente sobre uma autoridade Central, como no caso da cooperação judiciária no Mercosul, a cooperação judiciária é feita pelo Ministério da Justiça. A instituição a faz com muita competência, se incumbindo de receber qualquer pedido de citação, ouvir testemunhas, cumprir uma carta rogatória, prestação de direito estrangeiro, entre outras coisas. “Eu posso me dirigir ao juiz por uma petição, seja Estadual ou Federal, em qualquer uma das instâncias, e solicitar cumprimento de uma medida de colaboração e cooperação em qualquer um dos países hoje da Comunidade Internacional”, concluiu.
Ao fim do primeiro painel, o coautor do CPC 2015, André Gustavo Salvador Kauffman, destacou alguns pontos da apresentação da magistrada e suscitou seu debate, principalmente sobre o tema cooperação. Ele questionou se haveria alguma contradição quando se fala de cooperação entre exigir o tratado o exigir a reciprocidade e logo no mesmo dispositivo falar que estrangeiro e nacional têm que ser tratado da mesma forma.
II Bloco – Remessa necessária e honorários de sucumbência
Maurício Morais Tonin, iniciou sua apresentação pontuando que o CPC 2015 tratou expressamente de remessa necessária, mas é muito comum se falar de reexame necessário. Isso porque, o exame da matéria pelo tribunal que é necessário.
Segundo ele, há autores que questionam a própria necessidade da remessa necessária, o porquê da lei ainda prever que a sentença contra a fazenda pública deve ser revista pelo tribunal. Esse questionamento existe tanto do ponto de vista da constitucionalidade quanto da necessidade.
O CPC de 73 previa a remessa necessária no artigo 475 e hoje está artigo 496 do CPC 2015. As redações são muito parecidas e a previsão é de que está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeitos, senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença em duas hipóteses: proferida contra a União, estados, Distrito Federal, municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público; que julgar procedentes no todo ou em parte os embargos à execução fiscal.
“Estamos falando aqui a evidência de sentenças que são proferidas contrariamente à fazenda pública e são sentenças de méritos necessariamente”, revelou. Não se aplica em regra nos casos de condenação de empresas públicas e sociedades de economia mista. Não se aplica também nos juizados especiais. Isso porque existem previsões legais específicas que excetuam a remessa necessária nos processos que tramitam perante os juizados especiais.
Uma consequência disso é que a inobservância da remessa necessária acaba impedindo o trânsito em julgado da sentença. Durante a palestra, o advogado discutiu a natureza jurídica de instituto. “É um recurso é um recurso extra oficial? Um recurso que o juiz recorre da própria sentença dele?”, questionou. Em sua opinião, prevalece o entendimento de que não tem natureza recursal, por não haver uma voluntariedade da interposição, como existe em recurso de apelação. É um instrumento de revisão das decisões judiciais nas hipóteses mencionadas e seria, portanto, uma condição legal de eficácia definitiva da sentença que tem no todo ou em parte alguma condenação contra a fazenda pública.
Outro ponto destacado é que o parágrafo primeiro do artigo 496 prevê que se aplica recurso de apelação, quando a fazenda pública for vencida, independentemente de advocacia pública, procurador, do advogado público, interpor ou não. “E se houver a apelação, ainda assim se aplica a remessa necessária? Eu entendo que sim, porque pode ser que o advogado público tenha recorrido apenas de parte da sentença”, considerou.
Pode acontecer também de que o advogado público tenha tentado uma apelação que tecnicamente está aquém do esperado. Ainda assim, nesse caso, haverá remessa necessária e ela vai devolver todo o conhecimento dessa demanda ao tribunal, mas apenas naquilo que for vencida a fazenda pública. E a súmula 325 do Superior Tribunal de Justiça prevê justamente isso: remessa oficial devolve ao tribunal o reexame de todas as parcelas da condenação suportadas pela fazenda pública inclusive os honorários de advogados
Não pode haver o reformatio in pejus, a chamada reforma para pior. Isso também está sumulado pelo superior Tribunal de Justiça. O palestrante destacou também que não é qualquer sentença que condena a fazenda pública que está sujeita a remessa necessária. Existem algumas hipóteses de exceção. Também não se aplica quando a sentença estiver fundada em súmula de Tribunal Superior, acórdão proferido pelo STF ou o STJ em julgamento de recursos repetitivos, entendimento firmado em IRDR e IAC e em também naqueles casos em que entendimento da sentença é coincidente com orientação vinculante administrativa, firmado no âmbito administrativo do próprio ente público, consolidado em um parecer, uma manifestação ou em uma súmula administrativa.
“É importante destacar isso justamente pelos inúmeros recursos e processos que tramitam na justiça em face da Fazenda pública. Sabemos que o poder público é o maior litigante da justiça”, confirmou.
Na visão do palestrante, o administrador público deve criar essas súmulas e entendimentos para que isso não só conduza a atuação administrativa, a atuação do advogado público perante o poder judiciário e também a própria atuação do juiz nesses casos.
“É muito importante ampliar esses mecanismos de desjudicialização, utilizando então o tratamento adequado das controversas e que seja economicamente justificável”, ressaltou o magistrando, que ainda levantou algumas questões para serem debatidas com os demais participantes do evento.
Honorários de sucumbência – envolvendo a Fazenda pública
Pelo código de processo civil a sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor. Sendo assim é importante que o advogado oriente o seu cliente, antes de entrar com uma ação ou contestá-la, de que existe o risco dessa condenação. A regra geral é de que os honorários serão fixados entre o mínimo de 10 e o máximo de 20% sobre o valor da condenação. Se não for possível mensurar a base é o valor atualizado da causa, atendidos os requisitos do parágrafo 2º do Artigo 85.
“O que nos interessa aqui já que o nosso recorte é especificamente em relação às causas envolvendo a fazenda pública é o que está disposto no parágrafo 3º do Código de Processo Civil. Quanto maior for o valor da condenação ou do proveito econômico, menor será o percentual de condenação”, informou.
O parágrafo 7 diz que não serão devidos os honorários advocatícios no cumprimento de sentença contra a fazenda pública que enseja a expedição de precatório. Já o parágrafo 19 prevê que os advogados públicos perceberão honorários de sucumbência nos termos da lei.
“Alguns advogados públicos não recebiam a verba honorária. A partir do momento em que essa disposição na Lei do CPC passou a prever expressamente esse direito, condicionado a lei que assim dispõe, passou então existir uma produção e uma forte procura dos interessados justamente na regulamentação disso”, analisou.
Pouco tempo depois, a procuradoria geral da república entrou com várias ações diretas de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal questionando a constitucionalidade da percepção dos honorários para advogados públicos. Um dos argumentos principais era que a constituição prevê para advocacia da união e também para os procuradores do Estado o recebimento de subsídios e que o regime de subsídios não seria compatível com mais essa outra verba que seria os honorários advocatícios.
“De qualquer forma, em 2020 o Supremo Tribunal Federal botou uma pá de cal nessa discussão e julgou que é constitucional a percepção dos honorários para os advogados públicos, mas estabeleceu que o valor está condicionado ao teto do Supremo Tribunal Federal”, enfatizou.
Por fim, o palestrante também discorreu sobre a aplicação do parágrafo 8º do artigo 85 que dispõe sobre a apreciação equitativa da fixação dos honorários para o juiz. Ele diz que nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico, ou ainda quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará a apresentação dos honorários para apreciação equitativa observando o disposto no parágrafo 2º. “Essa é uma questão que a gente precisa ficar muito atento, inclusive porque recentemente, em novembro de 2020, o próprio STJ acertou dois recursos especiais, com objetivo de definir o alcance desse parágrafo oitavo”, finalizou.
Assista a live completa no canal da AIDA