Revista Segurador Brasil

Inovação e cooperação para acelerar a transição climática

O papel estratégico na transição climática foi o fio condutor dos painéis conduzidos pela Prudential na manhã de sábado (15), na Casa do Seguro — espaço de debates da CNseg na COP30. A avaliação dos participantes é que a inovação em produtos, a regulação e a cooperação internacional são pilares para acelerar essa agenda. Contudo, apesar dos avanços, o setor ainda enfrenta obstáculos, como o limitado financiamento para redução de riscos de desastres, a baixa disseminação da cultura de prevenção, sobretudo entre populações vulneráveis.

Nos debates, os especialistas apontaram que, com melhor governança, uso qualificado de dados e articulação entre governos e iniciativa privada, as seguradoras podem mobilizar capital social e econômico para proteger vidas, saúde, patrimônios e comunidades em um cenário de crescente incerteza climática.

O painel “O papel do setor de seguros na resiliência climática e social” abriu o dia ressaltando o papel do setor de seguros como agente de transformação diante dos impactos crescentes das mudanças climáticas, destacando como ampliar o acesso à proteção e fortalecer a resiliência social no Brasil. Conduzido por Patrícia Freitas (foto), CEO da Prudential, o encontro reuniu Tatiana Assali, sócia da ERM NINT, Mabyr Valderrama, diretora de Sustentabilidade da Fasecolda, Jessica Bastos, diretora da Susep, e Adriana Campelo, diretora regional da UNDRR.

Tatiana Assali apresentou um estudo inédito focado no seguro de vida individual, mostrando que os riscos associados às mudanças climáticas afetam tanto a economia quanto a saúde. O relatório considera dois cenários climáticos: um mais ambicioso, alinhado ao Acordo de Paris, e outro menos ambicioso. No segundo, as projeções apontam para aumento de volatilidade nos mercados financeiros e maior custo operacional para seguradoras.

No caso específico da saúde, eventos extremos como calor intenso já têm impacto sobre a mortalidade. Tatiana citou estudo da The Lancet, que mostra que os custos das mortes relacionadas ao calor chegam a US$ 855 bilhões por ano. O levantamento estima que, até 2050, sinistros por doenças cardiovasculares e câncer podem aumentar em 200%, caso medidas preventivas não sejam adotadas. A solução passa por melhorias em hábitos de vida – prevenção, alimentação, acesso à saúde – com potencial para reduzir em até 65,7% os sinistros por causa dessas doenças.

Regulação como vetor de inclusão e inovação

Jessica Bastos, diretora da Susep, afirmou que a regulação pode acelerar a inovação, mas também represar produtos se mal desenhada. Ela citou a recente revisão da norma de seguro de vida universal, que foi simplificada para facilitar a oferta e o acesso no mercado brasileiro. Também destacou o papel do sandbox regulatório, que permite testar novos modelos de seguro, como produtos intermitentes com pagamento mensal. Jessica lembrou que a Circular 666, que incorpora sustentabilidade à gestão de riscos das seguradoras, cria um ciclo virtuoso no mercado e incentiva práticas ambientais robustas, como no seguro rural.

No campo internacional, coube a Mabyr Valderrama, diretora de Sustentabilidade da Fasecolda, apresentar as principais iniciativas das seguradoras colombianas. Ela destacou a chamada Aliança pela Sustentabilidade do Setor Segurador, que reúne seguradoras para definir uma agenda comum em cinco tópicos: mudanças climáticas, biodiversidade, desastres naturais, inclusão financeira e cibersegurança. Um dos projetos é um guia para infraestrutura verde rodoviária, incentivando seguradoras a exigirem investimentos em soluções naturais ou compensações ambientais em rodovias. Uma curiosidade: na Colômbia, existe exigência legal para que empresas plantem duas árvores por funcionário; a parceria propõe que seguradoras façam parte desse ciclo de compensação em linhas de seguro para transportadoras

Setor privado ainda é ausente na agenda de redução de riscos

Adriana Campelo, coordenadora regional da Agência das Nações Unidas para redução do risco de desastres, classificou a agenda de redução de risco de desastres no Brasil ainda tímida. Segundo ela, a integração entre empresas, seguradoras e cidades ainda está muito distante do necessário diante da escalada dos eventos climáticos extremos e das perdas econômicas associadas. Campelo lembrou que a UNDRR mantém globalmente a rede ARISE, dedicada a mobilizar o setor privado para prevenção e gestão de riscos. Embora consolidada nos Estados Unidos e em vários países latino-americanos, a iniciativa “ainda é muito fraca no Brasil”, afirma.

A falta de engajamento se reflete diretamente no volume insuficiente de recursos disponíveis para ações de prevenção. “Hoje, 75% dos recursos necessários para redução de risco de desastre não têm financiamento. Precisamos trazer o setor privado para trabalhar nisso”, disse.

Adriana também trouxe números do Global Assessment Report, divulgado este ano pela UNDRR, que mostram o descompasso entre os investimentos mundiais em clima e os reais vetores de prevenção. Segundo o relatório, 95% dos recursos globais voltados para desenvolvimento climático vão para mitigação, enquanto apenas 4% são destinados à adaptação. A fatia dedicada diretamente à redução de risco de desastres é ainda menor: menos de 1%.

Menos de 1% dos investimentos vai para redução de risco

Dados da Global Assessment Report, divulgado este ano pela UNDRR, mostram o descompasso entre os investimentos mundiais em clima e os reais vetores de prevenção. Segundo o relatório, 95% dos recursos globais voltados para desenvolvimento climático vão para mitigação, enquanto apenas 4% são destinados à adaptação. A fatia dedicada diretamente à redução de risco de desastres é ainda menor: menos de 1%.

Adriana considera que isso revela uma incompreensão estrutural: “Trabalhar com adaptação climática, com ecossistemas e com biodiversidade é fazer redução de risco. Precisamos integrar essas agendas.”

A moderadora Patricia Freitas reforçou a necessidade de evolução cultural na prevenção e no entendimento do papel dos seguros, citando os impactos recentes no Brasil. Ela lembrou que, somente no Rio Grande do Sul, as perdas associadas às enchentes somam mais de R$ 100 bilhões, dos quais apenas R$ 6 bilhões estavam segurados.

Também destacou a resposta ágil do mercado diante de novos desastres, como o ocorrido no Paraná. Segundo ela, 90 seguradoras participaram de uma chamada emergencial com o regulador no último domingo, demonstrando prontidão mesmo na ausência de seguros paramétricos amplamente difundidos. Para ela, a baixa penetração de seguros no Brasil continua sendo um dos principais entraves à proteção da população e das empresas.

Mudanças climáticas vão pressionar sistemas de saúde

Os eventos climáticos extremos já desafiam os sistemas de saúde brasileiros, com impactos em sua capacidade de atendimento e reflexos nos custos humanos e econômicos. Dessa forma, parcerias público-privadas são indispensáveis para enfrentar o “novo normal” climático, integrando saúde, clima, ciência e proteção financeira. Dados e ciência são o elo central entre políticas públicas, capacidade de resposta e precificação de riscos. Nesse cenário, o setor de seguros é peça-chave na resiliência nacional, não apenas na indenização, mas na prevenção, educação do consumidor e inclusão securitária. Em síntese, essas foram as mensagens chaves extraídas do painel sobre “Clima e saúde — redesenhando o seguro para um futuro sustentável”, que contou com a participação de Goret Pereira Paulo, diretora da Rede de Pesquisa da FGV, Jean Pierre Ometto, pesquisador sênior no INPE, Luciana Dall’Agnol, superintendente de Sustentabilidade da CNseg; e moderação de Gabriela Al-Cici, vice-presidente da Prudential.

Segundo relatório do Banco Mundial citado pela pesquisadora Goret Pereira, cada evento climático extremo reduz entre 25% e 50% a capacidade de atendimento de sistemas de saúde, podendo levar cidades a colapso total, como observado recentemente no Paraná. A recuperação plena pode levar de um a cinco anos, com custos estimados entre US$ 7 bilhões e US$ 37 bilhões apenas na América Latina e Caribe.

Em virtude de eventos climáticos severos, a especialista destacou o risco de aumento das doenças psicossomáticas e de impacto emocional prolongado em populações que perdem casas, renda e referências de futuro. “Esse é um desafio adicional ao SUS, que é um sistema exemplar, mas opera com recursos limitados”, afirmou. Por isso, defendeu fortalecer parcerias com o setor privado — especialmente seguradoras — para complementar a capacidade de resposta.

Outro eixo central de sua fala foi a insuficiência de dados no Brasil. O país ainda carece de medições sistemáticas sobre qualidade do ar, ondas de calor e vulnerabilidade etária, lembrou ela. Em seguida, ela elogiou o lançamento da plataforma da Fiocruz na COP30, que monitora saúde e qualidade do ar na Amazônia, e reforçou que dados climáticos e sanitários são essenciais para a precificação de seguros, o desenho de coberturas e a avaliação da resiliência dos sistemas locais de saúde.

A pesquisadora da FGV destacou, ainda, que esta é a primeira COP com saúde integrada oficialmente à agenda climática, e defendeu uma articulação direta entre municípios, setor segurador e plataformas como o Adapta Clima, para que cidades coletem e compartilhem dados de risco, subsidiando políticas públicas e soluções de proteção financeira.

A ciência como base para decisões sobre risco climático e saúde

Jean Pierre Ometto reforçou que o país já vive “um ambiente climático que a sociedade não conhece”, marcado por eventos intensos, imprevisíveis e que amplificam desigualdades históricas. Ele ressaltou que a ciência hoje fornece indicadores robustos sobre ondas de calor, qualidade do ar, vetores de doenças e vulnerabilidade social — elementos essenciais para decisões tanto de políticas públicas quanto do mercado de seguros.

O pesquisador explicou que plataformas como a ADAPTA Brasil MCTI e estudos da Fiocruz permitem identificar, dentro de uma mesma cidade, bairros mais expostos a calor extremo, enchentes ou deslizamentos, contribuindo para estratégias municipais e modelos de risco das seguradoras.

Ometto detalhou ainda a relação direta entre mudanças climáticas e doenças transmitidas por vetores, como dengue, zika e chikungunya. Com mais calor e umidade, cresce a população de mosquitos infectados e, portanto, o potencial de disseminação. Também citou impactos indiretos, como leptospirose após enchentes e a falta de acesso a unidades de saúde — agravada pelo fato de até 80% dos postos terem sido afetados em alguns eventos recentes. Para ele, o setor de seguros, ao dialogar com a ciência, torna-se um agente multiplicador de cultura de risco, integrando evidências científicas à gestão de proteção, precificação e prevenção.

Superintendente de Sustentabilidade da CNseg, Luciana Dall’Agnol, destacou o papel estratégico do setor de seguros na construção da resiliência climática do país. Ela lembrou que a discussão ultrapassa indivíduos, empresas ou governos: trata-se da capacidade do Brasil de enfrentar, com preparo, os desafios de longo prazo. A seu ver, é fundamental reduzir o gap de proteção no país e ampliar a resiliência social frente à crise climática. Segundo ela, nações com maior penetração de seguros recuperam-se mais rapidamente de desastres, preservando serviços essenciais — saúde, transporte, educação — e reduzindo a dependência do Estado

Nesse sentido, Luciana ressaltou que a compreensão do risco climático e a conscientização da sociedade sobre o “novo normal” são fundamentais. Para ela, o setor segurador demonstra liderança ao reunir diferentes atores para debater como dados confiáveis sustentam decisões de precificação, subscrição, gestão de riscos e comunicação com a população.

Ao ampliar o acesso ao seguro, afirmou Luciana, o país reduz sua lacuna de proteção — fator determinante para a resposta após eventos climáticos extremos. Sociedades mais seguradas recuperam-se mais rapidamente e preservam serviços essenciais, como saúde, mobilidade e educação.

O seguro também diminui a pressão sobre o Estado no processo de reconstrução, permitindo que famílias e empresas retomem suas atividades com maior agilidade e eficiência. Luciana alertou que a baixa proteção securitária tende a elevar o custo do risco, tornando o seguro menos acessível.

Contudo, há um ciclo virtuoso: quanto mais pessoas protegidas, maior é o entendimento sobre risco e preparação, o que reduz perdas e, consequentemente, o custo do seguro. “É por isso que estamos aqui hoje e por isso esta iniciativa foi construída”, afirmou ela, referindo à Casa do Seguro.

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