
Em um ambiente com autoridades públicas, lideranças empresariais e especialistas em seguro, o painel “Open Insurance: Desafios e Oportunidades para o Brasil e para a França”, no Fórum de Seguros França-Brasil sobre Clima, Inovação e Investimentos, em 4 de junho, em Paris, mostrou que o entusiasmo com a inovação digital nos seguros precisa caminhar lado a lado com a cautela.
Moderado por Roberto Santos, presidente do Conselho Diretor da CNseg, o debate foi marcado por uma conclusão compartilhada: o Open Insurance pode até ter objetivos nobres, mas exige prudência, diálogo e uma implementação realista.
Logo na abertura, Santos expôs um panorama crítico sobre o estágio brasileiro. Embora frequentemente citado como referência internacional, inclusive pela França, o executivo discordou da ideia de que o Brasil esteja tão avançado nesse processo. “Já cumprimos a fase um e a fase dois, mas os dados dos consumidores ainda não são efetivamente compartilhados. O objetivo é nobre, mas estamos no meio de uma jornada cheia de riscos”, advertiu.
Do lado francês, Jérôme Balmes, diretor de dados, tecnologia e inovação da France Assureurs, considerou positiva a cooperação entre o Brasil e a França, mas se posicionou contra a pressão que o regulador francês faz sobre suas supervisionadas para que acelerem os processos relacionados ao Open Insurance e ao Open Finance, afirmando que estão atrasados em relação ao Brasil. “Vamos tentar evitar esta espécie de corrida que os reguladores travam para tentar impor a sua agenda”, afirmou.
Balmes relatou que a Comissão Europeia propôs em 2023, por meio de um projeto legislativo, uma abordagem qualificada como “Big Bang” para abrir todos os dados do setor financeiro, inclusive os de seguros, em apenas 18 meses. “Nenhuma empresa sensata pensaria em abrir todos os seus dados de uma vez, esperando ver o que vai acontecer. Falta ao legislativo a percepção de que inovação é desejável, mas é perigosa. Precisamos fazer um “test and learn” por etapas, sobretudo com um tesouro tão precioso como são os dados financeiros e de seguros dos cidadãos”, concluiu.
A diferença entre o setor bancário e o segurador foi outro ponto levantado. Santos destacou que o mercado de seguros, por sua própria lógica contratual e competitiva, já é “aberto” por natureza. “No banco, você abre uma conta e fica. No seguro, se a seguradora trata mal o cliente, ele vai embora. O cliente já tem esse poder. Então por que criar estruturas tão complexas e caras?”, questionou, complementando: “O regulador fez um control C, control V do modelo do Open Banking para o mundo do seguro, mas isso não funciona. Gastamos bilhões e, até agora, nada aconteceu.”
Alexandre Leal, diretor técnico e de estudos da CNseg, reforçou as críticas e acrescentou outras. No Brasil, durante a construção do Open Insurance, afirmou, não houve um debate mais aprofundados com todos os atores envolvidos e não chegaram a ouvir os consumidores para saber o que eles esperam dessa plataforma. Ele também levantou uma ausência notável no projeto brasileiro: os corretores. “Eles representam a maior parte da distribuição de seguros no Brasil e foram alijados dessa discussão. Isso é um equívoco.”
Leal não parou por aí: “No Brasil, mais de 150 ramos de seguros foram inclusos na versão inicial do Open Insurance, o que torna praticamente impossível as próprias empresas de seguros entenderem quais serão os benefícios e como que elas podem trabalhar as informações que eventualmente sejam compartilhadas pelo cliente nesse sistema”.
Ao final do painel, todos concordaram em um ponto-chave: é preciso permitir que o setor avance de forma segura, gradual e com escuta ativa. O encontro evidenciou que, quando o assunto é Open Insurance, não basta abrir os dados; é preciso abrir, antes de tudo, o diálogo.
O Fórum França-Brasil de Seguros, promovido pela CNseg em parceria com a France Assureurs, marca um novo capítulo da internacionalização do mercado segurador brasileiro. A proposta é fortalecer a cooperação bilateral, fomentar soluções inovadoras e integrar o seguro aos grandes projetos de desenvolvimento nacional, incluindo os voltados à resiliência climática e à inclusão econômica.
Foto – Da esq. para a dir: Roberto Santos, Alexandre Leal e Jérôme Balmes
Executivos debatem regulação da IA
A ascensão da Inteligência Artificial (IA) e seu impacto no setor segurador esteve em debate no painel “Regulamentação de IA, segurança cibernética e combate à fraude”, no Fórum de Seguros França-Brasil, em Paris. O evento reuniu legisladores, executivos e especialistas do setor segurador para discutir o equilíbrio entre inovação, ética, proteção de dados e a urgência de uma regulação adaptativa.
Abrindo a mesa, o senador Eduardo Gomes (PL/TO) apresentou um panorama do cenário legislativo brasileiro, destacando o marco legal da Inteligência Artificial (PL 2338/2023), do qual é relator, como eixo central da construção de um marco regulatório para a IA no país. “A discussão sobre inteligência artificial no Congresso Nacional nasce de uma necessidade global de regulação”, afirmou.
O senador acredita que o setor segurador é essencial para dar segurança às pessoas em um cenário em que elas ainda não confiam totalmente na IA. Segundo ele, o projeto, em debate há mais de dois anos, busca integrar os avanços tecnológicos aos marcos já existentes, como os do Banco Central.
A perspectiva de um marco legal dinâmico, que evolua com a tecnologia e evite a fragmentação setorial, reforça a ideia de uma regulação com foco na proteção de dados como fundamento essencial. É justamente diante desse cenário em transformação que surgem novas preocupações no setor privado, como apontado por Richard Vinhosa, CEO da EZZE.
Vinhosa endossou a relevância da LGPD e das normas de defesa do consumidor no Brasil, mas alertou para os desafios contemporâneos, como os deepfakes e os impactos que eles podem ter na confiabilidade das informações. Em sua fala, trouxe uma visão prospectiva, explorando o futuro dos seguros em um mundo automatizado, com possibilidades que vão desde a redução da necessidade de seguros tradicionais até a criação de seguros específicos para este universo. Para ele, “o ponto crítico está na junção entre humano e máquina, que exige mais do que tecnologia: demanda ética, responsabilidade e cooperação entre governo, mercado e sociedade”.
Complementando a discussão com o olhar europeu, Marie-Aude Thépaut, diretora-geral da CNP Assurances, destacou como a IA pode atuar como alavanca estratégica para a missão central dos seguros: proteger bens e pessoas. Ela identificou três grandes frentes de aplicação: prevenção de riscos, melhoria no atendimento ao cliente e fortalecimento da conformidade regulatória, temas diretamente ligados à eficiência e confiança no setor.
No entanto, Marie-Aude Thépaut chamou a atenção para os riscos dessa transformação, especialmente quanto ao desenvolvimento ético da tecnologia. Para ela, é fundamental manter princípios como transparência, equidade e controle humano, evitando uma personalização excessiva das ofertas que contrarie o mutualismo, valor fundante da lógica securitária. Ela também alertou para os perigos de uma regulação excessiva, que, em vez de proteger, pode sufocar a inovação.
Essa multiplicidade de visões foi articulada com maestria por Arthur Ravier, moderador do painel e consultor de políticas digitais na France Assureurs. Em sua análise, destacou que a IA já era parte da rotina do setor há anos, especialmente na modelagem de riscos, mas que a emergência dos modelos generativos de linguagem (LLMs) trouxe um novo paradigma. Segundo ele, o alcance massivo dessas tecnologias — agora disponíveis para consumidores, trabalhadores e seguradoras — muda radicalmente o jogo.
Ravier enfatizou que, embora a IA ofereça ganhos significativos em automatização, personalização e eficiência, ela também levanta dilemas profundos. “Essas promessas vêm acompanhadas de desafios que precisam ser enfrentados com responsabilidade”, afirmou, alinhando-se ao tom geral da mesa.
Mesmo diante de realidades regulatórias distintas, os participantes do painel convergiram em uma convicção comum: a inteligência artificial é um vetor inevitável de transformação no setor de seguros. Para que esse futuro seja sustentável e confiável, será indispensável construir caminhos ancorados em ética, transparência, equidade e supervisão humana.