Inclusão e diversidade são fundamentais para a sobrevivência das empresas
É preciso acelerar as políticas de inclusão por gênero, raça ou orientação sexual, sob o risco de o processo de representatividade nas corporações colocar o próprio negócio em risco. Caso contrário, os programas de inovação, tradicionalmente a cargo de profissionais mais jovens, podem sofrer apagões e comprometer a sobrevivência das empresas nos próximos anos ou décadas.
O alerta foi feito no painel “Como (e por que) integrar a diversidade nos negócios” que ocorreu na 1ª Conferência de Sustentabilidade e Diversidade, na CONSEGURO, realizado pela Confederação Nacional das Seguradores (CNseg), em Brasília.
A consultora de inclusão financeira e apresentadora do podcast Finance Feminist, Alice Merry, pediu engajamento das seguradoras no combate ao abuso econômico cometido contra mulheres por seus parceiros e assinalou que podem se inspirar nas ações já realizadas por bancos britânicos para reduzir vulnerabilidades das mulheres assediadas.
“Treinamento de pessoal, mudanças na forma de comunicação de sinistros e documentação alternativa para comprovar a identidade de vítimas de abusos, por exemplo, podem constar das cartilhas de seguradoras. No mercado londrino, bancos já aceitam o fechamento de contas conjuntas sem aprovação de parceiros agressores e cancelam apólices solicitadas pelas vítimas de relacionamentos abusivos”, disse a especialista.
Vinicius Mercado, subscritor (avaliador de riscos) sênior da AIG, relatou ações da seguradora multinacional para proteger minorias mais expostas a riscos de ódio, como LGBT. Em parceria com a associação internacional LGBT, a seguradora criou uma cartilha para indicar locais nos quais mais correm riscos em viagens internacionais, mantendo um call center para atendê-los em casos de incidente. A seguradora, que também oferece uma cobertura adicional por práticas de ações indevidas nas empresas no âmbito do D&O, avalia as políticas de diversidades desses clientes e afere taxas diferenciadas, o que é um claro indicativo de que discriminação pode custar cada vez mais caro ao negócio.
“As empresas não podem ficar de fora e precisam ter um ambiente inclusivo. Isso é essencial. Não é só mais uma questão social, mas sobretudo econômica”, advertiu Ana Paula de Almeida Santos, moderadora do painel. A vice-presidente da Comissão de Capital Humano, Administrativo e Sustentabilidade da SulAmérica Seguros, Patrícia Coimbra, defendeu que “quanto mais diverso é um grupo, mais soluções inovadoras são encontradas, algo que é comprovado cientificamente”.
Desafiar o status quo!
Essa foi a mensagem do encontro que debateu como as empresas podem quebrar paradigmas e promover uma maior igualdade de gênero. O evento – realizado em São Paulo pela Allianz Global Corporate Speciality (AGCS), da área de consultoria de risco e soluções em seguros Property-Casualty, e a Associação das Mulheres do Mercado de Seguros (AMMS) – contou com a presença de participantes de diversos setores do mercado segurador como corretores, seguradores, escritórios de advocacia e outros parceiros de negócio.
O encontro conduzido por Gláucia Smithson, CEO da AGCS América do Sul, contou com a participação de Sinéad Browne, Chief Regions & Markets Officer e Board Member AGCS, Karine Barros, Diretora de Linhas Corporativas da Allianz Brasil e Paula Lopes, Managing Director da Marsh Brazil e Consultora na AMMS.
As executivas abordaram sobre os desafios de estarem em postos de liderança, as dificuldades em equalizar carreira e vida pessoal e, principalmente, a responsabilidade de ajudar a desafiar o status quo das companhias criando ambientes mais diversos e inclusivos. “Se você vê líderes ou membros de times que não estão abraçando o tema de diversidade e inclusão, você tem que estar pronta para desafiá-los, porque de outra forma, a cultura nunca irá mudar”, explicou Sinéad, acrescentando: “As empresas precisam dar oportunidades iguais para homens e mulheres relembrando que mais importante do que o gênero é se aquela pessoa é a certa para aquele cargo”.
Em complemento, Karine Barros destacou a força das mulheres em acreditarem nelas e estarem felizes com o que fazem. “Precisamos trabalhar duro e fazer o nosso melhor, e acreditar que somos a pessoa certa para estar naquela posição. Não é por uma questão de agenda de gênero que estamos nesse ou naquele cargo. E se estamos em determinado cargo é porque merecemos”.
Paula Lopes destacou o papel da inclusão nas empresas. “Mais do que a diversidade, precisamos trabalhar a inclusão dos diferentes grupos no ambiente de trabalho. Precisamos respeitar os outros, respeitar o que eles querem, o que eles gostam o que eles buscam para o futuro. Capacitar as pessoas a lidarem com o diferente”.
As executivas pontuaram também que já veem uma mudança nas empresas e na cabeça das pessoas, mas que ainda existe um longo caminho para que de fato a presença da mulher no ambiente de trabalho seja igualmente reconhecida em todos os setores da economia. “Não mudamos a cultura de uma empresa em um dia. É uma jornada longa mas estamos no caminho certo”, complementa Glaucia.
Estudo sobre desigualdades
As mulheres são a maioria do quadro funcional no mercado segurador (55% no ano de 2018). Ocupam cada vez mais cargos de chefia, mas a remuneração ainda é menor.
O equilíbrio vem aumentando nos cargos gerenciais: no ano passado, 53,5% dos postos eram ocupados por homens e 46,5% por mulheres, enquanto no levantamento anterior, de 2012, elas ocupavam 41% das vagas de gerentes.
“Podemos comemorar a redução das desigualdades no período de seis anos, mas há um longo caminho a percorrer para mudar esse quadro. Principalmente nos cargos de executivos, onde a presença feminina ainda é mais rara”, aponta a diretora de Ensino Técnico da Escola Nacional de Seguros (ENS), Maria Helena Monteiro.
Das empresas participantes da pesquisa da instituição de ensino – para a elaboração do estudo “Mulheres no Mercado de Seguros no Brasil”, lançado em 2019, 44% informaram que mantêm programas de igualdade de gênero. O estudo envolveu 23 grupos seguradores, responsáveis por 80% de receita do mercado, e representando um universo de quase 28 mil funcionários.
Ainda com relação ao estudo, Maria Helena Monteiro ressalta: “Quatrocentos e trinta e seis executivas do mercado responderam a uma pesquisa quantitativa e qualitativa, sobre temas que lhes dizem respeito, o que significou uma fonte de informações e comentários muito ricos. A melhor notícia de todas vem da nova proporção das mulheres executivas: de cada quatro executivos de seguradoras, um é mulher. Essa proporção já foi mais desvantajosa nos estudos anteriores”.
E acrescenta: “Realmente, ainda temos um longo caminho, mas a simples constatação de que há muitas ações em andamento e que isso se reflete em múltiplos indicadores positivos é uma notícia muito animadora para nós, mulheres do mercado de seguros. As coisas estão mudando, e rápido. O mercado tem demonstrado agilidade para incentivar a diversidade, e sabemos que as mulheres são só um grupo, dentre vários que estão sendo trabalhados”.
Sobre a remuneração, ressalta: “É verdade também que as mulheres, hoje, ganham em torno de 70% dos salários dos homens, mas isso não é muito diferente do que ocorre no resto do mundo. Não só o número de executivas cresceu como as mulheres em cargos gerenciais aumentaram bastante, e já são quase 47% nesse nível. Como as mulheres são maioria nas seguradoras (55%), com esses indicadores tão positivos, tudo nos leva a crer que o futuro será feminino!”
Mulher e Economia
Eis um trecho do 3º estudo “Mulheres no Mercado de Seguros no Brasil”: “Nos dias de hoje, existem cada vez mais estudos e iniciativas para discutir a participação da mulher na economia e na sociedade. Os exemplos são inúmeros, com destaque para o Centro de Pesquisas das Nações Unidas sobre a Mulher (UN Women), criado há menos de dez anos”.
“Em termos acadêmicos, os temas abordados também são diversos, mas têm, como traço de união, a importância dos ganhos da sociedade, em vários sentidos, como consequência de uma maior presença da mulher. Apesar disso, os desafios enfrentados ainda são grandes. Persiste a dificuldade de a mulher atingir postos mais altos na carreira, ou até mesmo obter uma melhor qualificação nos estudos. Dependendo da situação, ela sequer consegue acessar determinado setor empresarial ou, se o fizer, tenderá a permanecer estacionada em uma carreira intermediária”.
“Conforme ressaltado em estudos anteriores, essa desigualdade de gênero pode ser explicada por vários motivos: fatores históricos, questões culturais, educação diferenciada, cultura empresarial etc. Para combater essa tendência, é pertinente lembrar até mesmo iniciativas simples e criativas, como a criada no Twitter, com a mensagem #womeninSTEM (significando “Mulheres em Ciências” (Science), “Tecnologia” (Technology), “Engenharia” (Engineering) e “Matemática” (Math)), ressaltando quando as mulheres entram ou têm alguma conquista em carreiras científicas. Nesse caso, toda vez que uma mulher consegue um ganho nessa área, tal “hashtag” pode ser citada”.
A questão em destaque avalia a relação entre os salários da mulher e do homem, que tem estado historicamente entre 70% e 75%. Um ponto interessante é que tal relação, muitas vezes, não é uniforme. Por exemplo, na América Latina, para as mulheres com escolaridade menor, com um máximo de cinco anos de estudo, esse mesmo número é maior, em torno de 80%”.
“Ou seja, menor diferença de salário. De qualquer maneira, ao longo das últimas décadas, um aspecto positivo: os dados têm mostrado uma redução dessa desigualdade. Outro tipo de estudo avalia a educação como fator de distinção salarial. Numa avaliação histórica dos números, análises indicam que, no passado, as mulheres, nos primeiros anos escolares, mostravam muitas vezes rendimento superior. O grande problema é que costumavam abandonar os estudos mais cedo, fazendo com que os homens, ao final, alcançassem um maior grau de escolaridade. Um texto clássico no mercado brasileiro é o que avalia a quantidade de famílias chefiadas por mulheres, as quais, hoje, já chegam a mais de 40% do total dos lares”. “Com uma mudança rápida nos últimos anos, esse crescimento é associado a diversos fatores: queda da taxa de fecundidade, redução do tamanho das famílias, maior expectativa de vida para as mulheres em relação aos homens, envelhecimento populacional e processos de individualização dos sujeitos (ou seja, a tendência de morar sozinho), entre outros aspectos”. “Tal perspectiva foi comentada detalhadamente nos estudos anteriores da ENS sobre as mulheres e o mercado de seguros. Outro enfoque relevante é o que aborda a participação da mulher no mercado de trabalho. Na década de 70 do século passado, esse número era inferior a 40%. Hoje, tal percentual chega perto da casa dos 60%. É interessante verificar que tal participação se dá em função da renda da família”.
“Quanto mais baixa a renda, maior a participação. Nesse caso, a classe média apresentaria a proporção com taxas mais baixas. Recentemente, o IPEA lançou texto avaliando as desigualdades por raça e sexo, trabalho este que é atualizado regularmente. Nesse caso, umas das conclusões relevantes apontadas é que as mulheres recebem 76% dos salários dos homens. Ou seja, dentro dos mesmos patamares já citados. Enfim, a variedade das linhas de texto é grande, mostrando que o assunto permanece atual e merece continuar a ser estudado”.
Mulher e Seguros
Segundo ainda o estudo, “a relação das mulheres com o mercado de seguros mostra-se bem diversificada. A primeira e mais direta é a dos produtos de seguros configurados para o sexo feminino. No seguro de automóvel, as mulheres usualmente têm menores taxas de sinistralidade, o que leva a prêmios finais mais baixos”.
“Na área de seguro saúde são oferecidos produtos que cobrem as doenças ou eventos mais comuns às mulheres (por exemplo, gravidez). Já no segmento de vida, além das próprias coberturas tradicionais, são atrelados também produtos com serviços adicionais, que disponibilizam, por exemplo, exames de saúde específicos para o público feminino. Outra diferença diz respeito ao fato de que, em média, os homens vivem menos. Assim, para determinados tipos de seguros, a parcela paga por estes é maior”.
“Devido à importância desse mercado para as mulheres, já existem diversas estimativas para avaliar a relevância desse segmento, com sugestões de como o setor pode alcançar um maior sucesso. Há também iniciativas empresariais na área de seguros, empresas atuando com foco específico nas mulheres. Essa abordagem ainda não chegou ao Brasil de forma definida e, nesse sentido, as seguradoras devem ficar atentas, tendo em vista oportunidades comerciais para o futuro”.
“O site “Insurance Information Institute” traz um levantamento importante sobre a mão de obra dos EUA que atua diretamente na área de seguros. Em 2018, havia 2,7 milhões de funcionários no setor, com aproximadamente 60% trabalhando em seguradoras, 30% atuando em distribuição dos produtos (agentes e corretores) e 10% dedicados a outras atividades (como regulação de sinistros etc.)”. Do total de funcionários existentes, aproximadamente 60% são mulheres. Dependendo do tipo de operação, esse percentual é maior ou menor. Por exemplo, em regulação de sinistros e trabalhos de processamentos das apólices, o valor chega a quase 80%. Esses dados são referências significativas, quando comparados ao mercado brasileiro”.
Coordenação Editorial – João Carlos Labruna
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