Regulação de sinistro no novo marco legal dos seguros é tema do ANSP Café

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Três dos maiores especialistas do setor discutiram as novidades para os segurados e para o segurador

Dia  12 de novembro, a Academia Nacional de Seguros e Previdência (ANSP) realizou uma live para falar sobre o tema “Reflexões práticas sobre a regulação de sinistro no novo Marco Legal dos Seguros (“MLS”)”, em mais uma edição do ANSP Café. Transmitido pelo canal da instituição, no Youtube, o evento teve a participação do Presidente da ANSP, Ac. Rogério Vergara, na abertura e no debate, e do Coordenador da Cátedra de Contrato do Seguro da ANSP, Ac. Pedro Guilherme Gonçalves de Souza, na moderação das palestras.

Também contou com as presenças de Cristiane Abdalla, Superintendente de Sinistros da Zurich Minas Brasil, Sr. Felipe Bastos, Sócio de FAS Advogados in cooperation with CMS e Ac. Marcia Cicarelli, Sócia de Demarest Advogados e Vice-coordenadora da Cátedra de Contrato do Seguro da ANSP, como debatedores.

CONTEXTUALIZAÇÃO

O foco do evento foi debater com os profissionais e mostrar aos espectadores a nova realidade da atividade de regulação de sinistros que se instaurará quando o Projeto de Lei nº 2.597/2024, aprovado no Congresso Nacional, for sancionado. As questões debatidas visaram apresentar as novidades introduzidas, no que diz respeito ao procedimento de regulação de sinistros. No debate, foram analisadas as disposições do Capítulo XIII daquele diploma legal e outros dispositivos esparsos que passam a disciplinar a complexa atividade de regulação.

As imposições da lei foram analisadas com o intuito de indicar, principalmente, o que muda e o que permanece do atual modelo de regulação, baseado nos usos e costumes do Mercado de Seguros e em regras consagradas pela SUSEP. As mudanças introduzidas foram analisadas em perspectiva, a partir das questões formuladas pelo moderador. No painel buscou-se materializar os desafios e ajustes que o Marco Legal dos Seguros irá impor aos departamentos de sinistros das seguradoras e a todo o ecossistema empresarial que os atende (escritórios de regulação de sinistro, peritos, advogados, corretores de seguros e outros).

As questões complexas discutidas foram um pano de fundo para demonstrar aspectos jurídicos da responsabilidade dos profissionais de regulação de sinistro. Também objetivaram chamar a atenção para as novas necessidades de ajustes contratuais e de gestão de riscos internos daqueles profissionais, em vista do incremento do risco que o Marco Legal dos Seguros impõe à atividade de regulação.

PAINEL

“Recentemente o projeto de lei 2597/2024, o Novo marco do Seguro, promulgado. Agora, falta apenas a sanção presidencial para que esse projeto efetivamente se torne uma lei. A expectativa é que a tenhamos ainda em novembro desse ano”, destacou Vergara.

Em suas considerações iniciais, Pedro Guilherme Gonçalves de Souza explicou que esse assunto é muito oportuno pela aprovação do PL 2597, no início do mês, que é reedição do PL 29/2017, que é a reedição do PL 3555/2004. “Ou seja, são 20 anos de discussão que culminaram nesse momento. Nós escolhemos aqui um recorte muito claro que é o da regulação de sinistro, porque na nossa leitura a regulação de sinistro traz toda a dinâmica do seguro num momento muito crítico, no qual existe pouco espaço para erros e há muita técnica envolvida”, sinalizou.

Para trazer luz ao tema, a coordenação do evento fez uma seleção de alguns dispositivos do novo Marco Legal dos Seguros, que trazem perplexidades, dúvidas ou questões que talvez ainda não estejam tão bem resolvidas e são as melhores para se criar um ambiente de discussão. No primeiro bloco da live, Souza leu dois dispositivos e abriu as oportunidades para que os debatedores pudessem compartilhar suas impressões a respeito.

Marco Legal – artigos 82 e 83 – Documentação do sinistro ou a documentação da regulação de sinistro:

o relatório de regulação e liquidação do sinistro é um documento comum às partes (segurado e seguradora); negada a cobertura no todo ou em parte a seguradora deverá entregar ao interessado os documentos produzidos ou obtidos durante a regulação e liquidação de sinistro que fundamentam sua decisão. O parágrafo único traz uma pequena ressalva: a seguradora não está obrigada a entregar documentos e demais elementos probatórios que sejam considerados confidenciais ou sigilosos por lei ou que possam causar danos a terceiros, salvo em razão de decisão judicial ou arbitral.

Filipe Bastos endereçou alguns pontos relativos aos artigos 82 e 83 e explanou sobre os documentos sigilosos por leis e as situações que ele entende que poderiam causar danos a terceiros e que, portanto, permitiriam o não compartilhamento desse documento com o segurado. Ao contrário do que diz a nova lei, o novo Marco legal, a jurisprudência atual há muito tempo já   dizia exatamente o inverso. O relatório de regulação não é um documento comum as partes, porque o direito do segurado se estende em obter uma carta negativa que seja bem fundamentada, e não sobre os documentos de regulação.

“Aqui a gente já vê que o projeto de lei é recheado de algumas mudanças importantes, inclusive na jurisprudência que se firmou após muitas discussões judiciais ao longo de décadas”, comentou.

A partir da entrada em vigor do novo Marco o relatório de regulação vai ser um documento comum as partes, porque o legislador assim o impôs. O artigo 83 é uma norma que precisa ser interpretada com muito equilíbrio. Vai tratar desse momento mais crítico da execução do contrato de seguro, que é a regulação de sinistro num contexto de negativa de cobertura. Na negativa de cobertura, seja ela parcial ou total, a seguradora, diz a norma, deverá entregar ao interessado os documentos produzidos por ela ou obtidos por terceiros durante a regulação e liquidação de sinistro que fundamentem a sua decisão.

“Eu quero frisar o trecho ‘que fundamenta em sua decisão’, porque de novo, a meu ver esse é o grande farol que existe nessa norma. A norma não exige que a seguradora apresente todos os documentos produzidos na regulação, sejam eles produzidos ou obtidos durante a regulação. Os documentos que precisarão ser entregues são aqueles que fundamentarão de maneira suficiente a negativa”, esclareceu.

O que a norma exige a ser exercido pelo segurado é que ele tenha acesso a documentos que fundamentem a negativa da seguradora e não um discovery amplo e irrestrito de tudo aquilo que foi produzido pelas partes, pelo regulador, pelos peritos indicados pelo regulador durante a regulação de sinistro. A norma traz os ingredientes adequados para que possamos entender os limites dessa divulgação ou do compartilhamento de documentos na regulação de sinistro. “Esse Marco legal inspirou em uma série de outras legislações, de forma geral de países mais periféricos, que não tem um mercado segurador tão maduro, e formou uma pequena concha de retalhos. Então vai exigir de nós um trabalho de interpretação bem mais profundo para entender os limites exatos dos direitos e deveres que nascem”, acrescentou

À Cristiane Abdalla, o moderador da live questionou se ela enxerga alguma saia justa ou risco de violação de regras de confidencialidade. “Talvez para além do limite da confidencialidade por lei, a intimidade da regulação fica exposta? Vai haver necessidade de mudar o jeito de fazer as coisas em virtude disso?”

Do ponto de vista prático, Cristiane entende que essa análise já é feita atualmente. Então, para ela toda essa transparência que a lei quer fomentar já existe. Os segurados já são trazidos para as vistorias e têm acesso a todos os documentos que estão sendo trabalhados. Temas confidenciais também são devidamente tratados. “Não temos enfrentado problemas até aqui. Eu estou otimista e acredito que não vamos nos deparar com situações muito críticas, pelo menos do ponto de vista de seguros corporativos e grandes riscos”, disse.

Uma provocação feita pela palestrante foi sobre o relatório de regulação que passará a ser compartilhado. Os profissionais poderão mostrar tudo que que está sendo feito, mas de uma maneira modular. Vão enfrentar prazos mais exíguos e terão que ter um controle ainda maior de todos os prazos. Durante sua fala, a Superintendente de Sinistros também abordou exemplos de sinistros que têm causas que levam, meses ou até mesmo anos para ser desvendados. Em sua visão o mercado precisa se adaptar nesse sentido.

Sobre o ponto de vista tecnológico dos fluxos de trabalho, a executiva indicou que a atenção maior estará voltada para o fluxo de recebimento de documentos. Em sua opinião, a atenção aos prazos terá que ser redobrada, pois existem pontos taxativos na lei que terão que ser observados. “O mercado já estava com um interesse muito grande na questão da IA, da tecnologia em geral, e talvez agora tenhamos de voltar a nossa atenção para a observância da lei e fazer as duas coisas conversarem. A meu ver esse é o desafio”, enfatizou.

Márcia Cicarelli, por sua vez, falou sobre o que ela enxerga que pode ser feito, na prática, para atender a essas demandas, para lidar com uma realidade que é do mundo dos fatos, mas que talvez não tenha sido abordada pela lei.  Para ela, já existe uma dinâmica nos sinistros mais complexos de que o relatório de regulação do sinistro não é compartilhado com o segurado, mas uma carta de posicionamento de cobertura sim. Via de regra, essa carta de posicionamento, a cobertura nada mais é do que um resumo dos principais pontos do relatório de regulação do sinistro. “A questão relativa a cobertura sempre é compartilhada com o segurado e obviamente ao longo do processo de regulação temos a DRL (Document Request List). Ao passo que vamos produzindo esses documentos, ao longo da regulação esses documentos técnicos são compartilhados”, pontuou.

A advogada concorda com Cristiane Abdalla sobre a ideia de que isso não deve mudar tanto a dinâmica do trabalho, mas ela muda no sentido de que o relatório de regulação que não era de fato um documento comum passa então a ser comum. Respondendo ao questionamento do moderador, Márcia ponderou que a lei não conversa, por exemplo, com a resolução 407, de grandes riscos, e com a 621, de seguros de danos. E isso acaba sendo um problema, porque tem uma série de normatizações pós-legislação. Então, quando essa lei for sancionada vai haver todo um trabalho da SUSEP e do CNSP no sentido de adaptar uma série de normas, para que conversem com essa lei.

O posicionamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), num REsp (Recurso Especial) paradigma, é de que os documentos de regulação do sinistro e a regulação do sinistro não são comuns às partes. “E de fato essa era a nossa tônica jurisprudencial. A partir do momento em que isso passa a ser então uma questão de lei, as seguradoras vão ter que se adaptar para fazer um documento de regulação do sinistro que seja muito parecido com esse que já era feito, no sentido de posicionamento de cobertura para o segurado, retirando desse relatório de regulação questões que não sejam pertinentes ao segurado, para que esse seja o documento a ser entregue”, refletiu.

No que tange a regulação dos grandes riscos, a painelista acredita que o grande problema vai ser o prazo a ser concedido para se chegar a um relatório conclusivo. Outro ponto abordado pela debatedora foi em relação aos documentos, que tendem a ser compartilhados já no decorrer da regulação. Não se espera que na hora do posicionamento de cobertura sejam trazidos ao segurado algo que ele não conheça, porque teoricamente ele participou dessa regulação, principalmente quando se fala de grandes riscos.

“Vamos ter que separar no trabalho do advogado aquilo que é uma comunicação cliente-advogado e que, portanto, vai estar sob o sigilo da própria lei da advocacia, daquilo que é uma discussão de regulação de sinistro e que é pertinente ao segurado, e que, portanto, deve ser compartilhado com o segurado, porque se trata de posicionamento de cobertura”, defendeu. Márcia entende que na prática será necessário separar esses dois documentos, para deixar muito claro que tudo aquilo que é do segurado de fato vai ser compartilhado, como já era. E as questões que forem compartilhadas dentro dessa relação advogado-cliente passam a ter um tratamento diferenciado.

Essa edição do ANSP Café teve a coordenação do Ac. Pedro Guilherme Gonçalves de Souza e da Ac. Márcia Cicarelli. Teve o apoio da Associação Internacional do Direito do Seguro (AIDA Brasil), e da Associação Brasileira de Gerência de Riscos (ABGR).

Assista a live completa no canal da ANSP:

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