Seguro habitacional e as consequências jurídicas envolvendo apólice pública e privada

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Instaurou-se no Brasil uma grande demanda de ações judiciais de Seguro Habitacional, na qual os autores alegam vícios construtivos nos imóveis e reclamam o direito de indenização em face das seguradoras. Qualquer pessoa que realizar um financiamento de um imóvel junto a uma instituição financeira está condicionado à contratação de um seguro, a fim de assegurar o pagamento do financiamento em caso de sinistro.

Ao longo do tempo, o Seguro Habitacional vem passando por modificações e uma delas é a substituição da apólice pública para apólice privada. Esta evolução é de extrema importância, visto que traz consequências jurídicas para as demandas judiciais envolvendo esse tipo de seguro.

Todas as apólices de seguro contratadas até 24/06/98 (MP 1.671/98) são apólices públicas classificadas como ramo 66. Para os contratos celebrados entre 24/06/98 e 29/12/2009 (MP 478/09) podem ter apólices públicas (Ramo 66) ou apólices privadas (Ramo 68). Ainda assim, desde 29/12/2009, está extinta a apólice pública do Sistema Financeiro da Habitação (Ramo 66), ficando aquelas em vigor sob a responsabilidade do Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS). Dessa data em diante, todos os novos financiamentos de imóveis ficam vinculados exclusivamente a apólices privadas ou de mercado.

E a maior discussão dessas apólices está na identificação do vínculo do imóvel financiado com a apólice pública.

Sobre a apólice pública (Ramo 66)

A apólice para ser considerada pública é aquela que foi contratada até 24/06/1998 e a aquisição do imóvel ocorreu de forma financiada. Ou também ela pode estar dentro do período dos contratos celebrados entre 24/06/98 e 29/12/2009.

As apólices públicas têm como características o comprometimento do Fundo de Compensação das Variações Salariais (FCVS). Quando a seguradora é acionada para responder uma demanda judicial envolvendo o Seguro Habitacional, é de extrema importância identificar se aquele imóvel, objeto da lide, é ou não vinculado à apólice pública, em razão das consequências jurídicas e do impacto financeiro que poderá ocorrer em uma eventual condenação para o pagamento da cobertura eventualmente contratada.

Assim, quando identificado o vínculo com apólice pública, a defesa é conduzida para a remessa dos autos à Justiça Federal, visto que é necessário chamar a Caixa Econômica Federal para ingressar na lide, sendo ela na figura de administradora do FCVS, a responsável pelo seguro dos imóveis ainda ativos.

Como identificar o vínculo com a apólice pública?

Muitas vezes não é fácil identificar o vínculo dos imóveis com a apólice pública apenas com a documentação apresentada pelo autor da ação judicial. Mas por meio de uma análise detalhada de todos os documentos (contratos de compra e venda, registro de imóveis, certidão de casamento, entre outros), assim como por ofícios judiciais expedidos para o agente financeiro, é possível identificar esse vínculo. Quanto mais cedo for identificado, menores serão os impactos financeiros que aquela demanda judicial pode trazer ao demandado.

O mecanismo mais eficaz e célere é através da análise de vínculo, a qual consiste em analisar os documentos trazidos pelos mutuários (autores) e que muitas vezes se tratam de “gaveteiros” e herdeiros. Para estes casos, a elaboração da estruturação da análise de vínculo também é imprescindível para demonstrar a cadeia de aquisição do imóvel e a relação do vínculo do autor da demanda com o mutuário original. 

Ao identificar o vínculo com a apólice pública é imprescindível solicitar o ingresso da Caixa Econômica Federal (CEF) para apresentar interesse no feito, bem como solicitar a remessa dos autos para a Justiça Federal. Tal prática trouxe consequências jurídicas que estão sendo debatidas no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Sobre o tema 1011 do STF

“Controvérsia relativa à existência de interesse jurídico da Caixa Econômica Federal para ingressar como parte ou terceira interessada nas ações envolvendo seguros de mútuo habitacional no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação e, consequentemente, à competência da Justiça Federal para o processamento e o julgamento das ações dessa natureza.”

O tema 1011 que tramita no Superior Tribunal de Federal (STF) vem sendo debatido para discutir o interesse da Caixa Econômica Federal em ingressar no feito e a competência da Justiça Federal para processar e julgar estas demandas. O tema se originou a partir da grande demanda judicial envolvendo apólices públicas e privadas. Os supostos mutuários ingressam com ações judiciais contra as seguradoras alegando, na maioria das vezes, vícios construtivos, com risco de desmoronamento. E com base na apólice de seguro contratada, a seguradora seria responsável pelos danos.

Nas contestações apresentadas para responder estas demandas as seguradoras apresentam as seguintes questões de ordem preliminar: i) ilegitimidade passiva, ante a Medida Provisória 513/2010, convertida na Lei 12.409/2011, que teria transferido os direitos e obrigações do Seguro Habitacional do Sistema Financeiro de Habitação (SH/SFH) ao Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS); ii) ilegitimidade ativa; e iii) carência de ação.

E após grande repercussão geral em razão da natureza dessas ações, o STF julgou o tema, que foi publicado em 21 de agosto de 2020, no qual “prevaleceu a tese do direito de ingresso da CAIXA nas ações e o deslocamento das demandas afetas ao Seguro do SFH – Apólice Pública para a Justiça Federal, com as condicionantes previstas no voto do relator, quer quanto ao marco temporal, quer quanto ao estágio em que se encontrar a tramitação do processo nos tribunais estaduais. “

Decisão que aguarda o trânsito em julgado, mas que deixa as seguradoras mais aliviadas, considerando o enorme volume de ações judiciais envolvidas neste tema. Isso porque, demonstrado o vínculo com a apólice pública, consequentemente, havendo o interesse da CEF e a remessa dos autos à Justiça Federal, reduzirá de forma expressiva os valores despendidos pelas seguradoras nestas demandas.

*por Bruna Carolina Bianchi de Miranda,  advogada e gestora da equipe de Sistema Financeiro Habitacional no escritório Rücker Curi Advocacia e Consultoria

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