O segundo painel do 4º Seminário Jurídico de Seguros, realizado segunda-feira (29/11) pela Revista Justiça & Cidadania e pela Confederação Nacional das Seguradoras – CNseg, debateu o sistema NatJus, que é integrado pelos centros de assessoramento que fornecem apoio técnico, baseado em evidências científicas, para a tomada de decisão judicial nas demandas de saúde.
Segundo levantamentos feitos pelo CNJ, a judicialização da saúde é crescente e já ultrapassa a marca de 2,5 milhões de processos ativos nos tribunais nacionais. Dentre as principais discussões levadas ao julgamento do Estado-juiz, a maioria envolve o equilíbrio econômico nos planos de saúde, a abrangência das coberturas, a internação em centros de terapia intensiva e os novos tratamentos, a exemplo dos medicamentos off label.
Durante muito tempo, como lembrou o presidente do painel, o Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Marco Aurélio Buzzi, “o magistrado foi um solitário em seu gabinete”, tendo que decidir, sentenciar e se pronunciar liminarmente sem contar com o conhecimento técnico científico necessário. Atento a esse cenário, em 2009 o Supremo Tribunal Federal realizou audiência pública para identificar possíveis soluções para o problema. A partir da audiência, o CNJ constituiu o grupo de trabalho que instituiu o Fórum Nacional do Poder Judiciário para Monitoramento e Resolução das Demandas de Assistência à Saúde, o Fórum Nacional da Saúde. Fruto do trabalho desse Fórum, em 2016, o CNJ e o Ministério da Saúde assinaram o termo de cooperação técnica que criou o NatJus.
Judicialização da saúde – Para debater os avanços trazidos pelos núcleos e os desafios para a consolidação do sistema NatJus, o painel contou com a participação do Secretário-Geral do CNJ, Valter Shuenquener, que acumula o cargo de Supervisor do Comitê Executivo do Fórum Nacional da Saúde; do Subprocurador-Geral de Justiça do Ministério Público de São Paulo (MPSP), Arnaldo Hossepian Júnior, que já foi o supervisor e ainda hoje faz parte do Fórum; além da Diretora Jurídica da Sul América Seguros, Fabiane Reschke, que trouxe ao debate uma visão do mercado.
O Juiz Federal Valter Shuenquener chamou a atenção para os alarmantes números da judicialização na saúde registrados nos últimos anos. Entre 2008 e 2017, houve um crescimento de 130% na primeira instância e 85% no segundo grau de jurisdição, muito acima do crescimento médio registrado na distribuição dos demais feitos, na ordem de 50%. “Tivemos uma explosão no que diz respeito à judicialização na saúde e isso obrigou o Poder Judiciário a repensar o modo de enfrentar essa matéria, até porque muitas vezes a parte autora faz jus àquilo que pretende, o que já se revelou nos dados estatísticos”, comentou o magistrado. Ele salientou que a maior dificuldade é conseguir entregar justiça isonômica diante do elevado número de processos e da falta de previsibilidade das decisões judiciais.
A falta de previsibilidade, segundo Shuenquener, pode ser equacionada de diversas maneiras: com o estímulo à mediação; com a criação de bancos de precedentes judiciais; ou por meio da criação de núcleos de assessoramento técnico, método que ele considera o mais eficaz. “Como todo ser humano, o juiz é incapaz de dominar conhecimento técnico sobre cada tema que lhe é apresentado, (…) ora julga sobre família, depois sobre falências, depois sobre pedido de medicamentos. Não é uma coisa banal. A decisão de um juiz em um caso pequeno pode ter efeito sistêmico danoso, ainda mais hoje em dia com a publicização muito ampla das decisões, que pode fazer com que se tenha, literalmente do dia para a noite, milhares de decisões distribuídas com base na decisão de um juiz singular. O que gera o caos. O CNJ aposta, não é de hoje, na consolidação desses núcleos de aconselhamento técnico”, atestou o Secretário-Geral do Conselho.
Investimento na qualidade – Arnaldo Hossepian, que foi supervisor do Comitê Executivo do Fórum Nacional da Saúde do CNJ entre 2015 e 2019, comentou a preocupação que existe com a qualidade do assessoramento técnico prestado pelos núcleos. Falou do pioneirismo do Hospital Sírio-Libanês, que trouxe a possibilidade de capacitar os núcleos estaduais. “Era necessário que pudéssemos ter um corpo médico espalhado pelo país com um mínimo de capacitação para responder às solicitações dos magistrados. Até porque os núcleos são montados à luz das possibilidades de cada estado e tínhamos estados com grandes dificuldades em arregimentar médicos para compor o seu núcleo de apoio técnico, quer na unidade da Justiça Federal, quer na unidade da Justiça Estadual”, explicou o Subprocurador-Geral do MPSP.
Segundo ele, o hospital começou a ministrar cursos, a orientar o preenchimento das notas técnicas que chegam aos magistrados e, sobretudo, diante das demandas dos comitês estaduais, passou a solicitar à acadêmica científica a elaboração de pareceres técnicos. Para Hossepian, o NatJus é hoje uma ferramenta efetivada, que poderá crescer na medida em que a magistratura seja sensibilizada e passe a utilizar o sistema em sua plenitude, inclusive para as demandas oriundas da saúde suplementar.
Círculo virtuoso – A Diretora Jurídica da Sul América, Fabiane Reschke, que atua no mercado segurador desde 2011, atestou que para o setor de saúde suplementar o acesso às consultorias técnicas é de extrema importância, inclusive para proteger a saúde dos beneficiários. “Percebemos uma série de decisões judiciais que, no afã de cumprir um papel de proteção e garantia ao direito à saúde – reconhecemos que é um papel muito difícil para o magistrado – eventualmente sem o devido aprofundamento, podem inclusive prejudicar a saúde do beneficiário”, comentou a advogada, que exemplificou com o caso das cirurgias bariátricas. Segundo ela, há uma série de pedidos liminares para a aplicação de emergência bariátrica que não são aplicáveis, por não cumprirem os protocolos e exigências do Ministério da Saúde para a proteção da saúde dos pacientes. Situações em que o NatJus tem ajudado a esclarecer os magistrados, deixando-os mais confortáveis e seguros para dar suas decisões.
Atualmente, segundo ela, no setor de saúde suplementar ainda é incipiente a utilização dos pareceres técnicos do NatJus. “Esse incentivo à utilização, trazendo todos os dados técnicos e informações em eventos como esse vai ajudar o setor de saúde suplementar também a ter as suas causas julgadas com base em pareceres técnicos, e mais bem fundamentadas, quando se trata, principalmente, de processos que envolvem pedidos de urgência e emergência”, observou Fabiane Reschke, que concluiu: “Temos a tarefa de criar um círculo virtuoso, de aumentar a disponibilidade de pareceres, fomentar a utilização desses pareceres pelo Judiciário, trazer qualidade nas decisões, e a segurança de que o magistrado vai ter à sua disposição essas notas técnicas no menor prazo possível. Ou, quando se deparar com a necessidade de decidir com rapidez, já ter um banco de pareceres que vai tratar do caso em exame”.
Mais sobre a 4ª edição – Apresentado pelo Editor-Executivo da Revista Justiça & Cidadania, Tiago Salles, o 4º Seminário reuniu novamente ministros das cortes superiores, membros do Ministério Público e CEOs das maiores seguradoras do país, desta vez em formato totalmente virtual. Parte do projeto Conversa com Judiciário, realizado pela Revista, o Seminário teve apoio institucional do STJ e do Conselho Nacional de Justiça.
A abertura do 4º Seminário foi prestigiada pelo presidente do STJ, Ministro Humberto Martins, e pelo Presidente da CNseg, Marcio Coriolano. Nos demais painéis foram discutidos as formas de aperfeiçoar o sistema NatJus, os critérios de correção das dívidas judiciais do setor privado, e o fenômeno do exercício irregular da atividade seguradora pelas chamadas “associações de proteção veicular”.