Do brasileiro que surfou na onda da mudança à ginasta que desistiu da competição
por Luciane Botto (*)
Os últimos dias têm agitado o mundo e colocado milhões de telespectadores de olho nos Jogos Olímpicos Tóquio 2020. Após tanto tempo de isolamento social, é chegada a hora de acompanhar o desempenho dos atletas e torcer pelas estrelas do esporte.
Chegar ao Japão exigiu – para esportistas e equipes – muito preparo e equilíbrio para superar não apenas os concorrentes, mas principalmente a ansiedade e a angústia da espera forçada pela pandemia. Mas o que temos a aprender com o desempenho, a performance e os comportamentos dos competidores no que se refere ao universo corporativo?
Baseado em minha experiência de mais de dez anos em treinar líderes e diretores empresariais, considero que aprender com a experiência do outro – em situações tão reais e emocionantes quanto as acompanhadas nas telas – nos dá a oportunidade da reflexão por meio do lúdico, da dor e da superação; expostas e revisitadas em várias reprises pelos meios de comunicação.
Todo mundo deseja vencer, mas é interessante pensar que uma competição não se faz apenas de vitoriosos. Nem sempre ganha quem tem mais técnica ou assertividade, mas aquele que tem maturidade e habilidades comportamentais para lidar com o estresse da competição em si.
Ponderação
Neste sentido, destaco quatro atletas e posturas que considero importantes. Ítalo Ferreira: o surfista brasileiro ganhou a primeira medalha de ouro do Brasil nestes jogos. Em seu depoimento à imprensa, falou que era a concretização de um sonho, fez o que ama e sabe fazer e que entrou na água sem pressão psicológica.
Rayssa Leal: a brasileirinha de 13 anos – que precisou viajar acompanhada da mãe – conquistou a prata na modalidade do skate street e se tornou a medalhista mais jovem do Brasil. Foi leve, dançou como adolescente antes de entrar na pista, não absorveu a pressão e fez o seu melhor.
Rebeca Andrade: de quase anônima à medalha de prata, a brasileira conquista o mundo ao ser vice-campeã olímpica de ginástica com carisma, funk, segura de si e sem ter que carregar o peso do favoritismo.
Já a americana Simone Biles, a tão esperada rainha da ginástica olímpica dos últimos anos, trouxe uma lição ao mundo ao revelar que o seu maior desafio, no momento, é a saúde mental. Ela disse: “Temos que proteger nossas mentes e nossos corpos e não apenas sair e fazer o que o mundo quer que façamos. Não somos apenas atletas, somos pessoas e às vezes é preciso dar um passo atrás”.
A justificativa para a desistência da favorita ao título olímpico individual da ginástica feminina fala por si só e nos mostra que Simone é vencedora mesmo quando assume sua fragilidade e pensa em si.
Das quadras para os escritórios
A seguir, relato um conjunto de situações, posturas e circunstâncias esportivas que trazem boas reflexões nos desafios da área corporativa.
O surfe – diante da maré de incertezas que estamos vivendo e a importância de sair da zona de conforto – exige foco, adaptação aos diferentes cenários e mudanças constantes. O skate mostra que sempre podemos encontrar oportunidades para ousar, aprender algo novo, se superar e acima de tudo, se divertir. A ginástica – que revela a importância da flexibilidade e do autoconhecimento – testa ainda mais nossos limites. E para todos esses desafios, surge a necessidade da coragem e da inteligência emocional.
Peço licença para usar uma frase da professora americana Brené Brown, pesquisadora da Universidade de Houston e que estuda há duas décadas a coragem, a vulnerabilidade, a vergonha e a empatia: “Às vezes, vencer não é chegar primeiro. Às vezes, vencer é fazer algo realmente corajoso. E talvez, para você, vencer seja sair de casa na chuva e se molhar”.
Por isso, saliento que o resultado dos Jogos Olímpicos Tóquio 2020 que vemos nas telas é só a ponta do iceberg. Considere anos de dedicação, foco, treino e suor nos bastidores. E sabe o que nem sempre é mostrado ao grande público?
Exige muito trabalho
Preparo: é necessário para superar desafios e alcançar objetivos. Não há como esperar ótimos resultados sem o compromisso de melhoria e atualização constante.
Autoconhecimento: conhecer seu limite e não depender da aprovação do outro para tomar decisões e saber “dizer não” e superar o “medo de errar” são alguns dos maiores desafios que enfrentamos na vida e na carreira.
Resiliência: ter a capacidade de olhar para o copo e não levar tudo “a ferro e fogo”. Implica na capacidade de extrair lições de experiências, ter orgulho da sua história, das suas conquistas e tudo o que trilhou, de virar a página e seguir em frente.
Empatia e apoio: compreender o que o outro está sentindo e ter sensibilidade para observar quando a produtividade cai, quando se está no limite e ter condições de oferecer apoio e liberdade para o outro se expressar com autenticidade; mesmo que ele opte em desistir momentaneamente.
Cuidados com a saúde física, mental e emocional: sem saúde e equilíbrio não há performance que se sustente. Momentos de pausa, meditação, diversão, interação e atividade física nos ajudam a ter mais foco e prazer no que realizamos. A disputa acontece todos os dias e o mais importante é se manter em movimento, na velocidade que for possível – não a qualquer custo.
(*) Luciane Botto é mestre em Organizações e Complexidade, desenvolve presidentes e diretores corporativos há mais de dez anos. É coautora do livro “Liderança Integral – A Evolução do Ser Humano e das Organizações” (ed. Vozes, 344 págs.).
Crédito da foto–Letícia Ueda