Recursos nos Tribunais Superiores em tempo de pandemia foi tema de palestras

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Na última sexta-feira (31), a Associação Internacional do Direito do Seguro – AIDA Brasil realizou o segundo encontro do ciclo de palestras de “Pré-Lançamento do Código de Processo Civil anotado e comentado”. A live foi apresentada pelo presidente da entidade, José Armando da Glória Batista e moderada por Luís Antônio Giampaulo Sarro, que além de coordenador e coautor do livro é presidente do GNT de Processo Civil.
O Prof. Dr. Paulo Henrique dos Santos Lucon, que também é coordenador do livro, foi o convidado especial da noite e abordou o tema “Recursos nos Tribunais Superiores em tempo de pandemia”. O debate também contou com as participações de Luiz Henrique Volpe Camargo e Bárbara Bassani de Souza, ambos coautores da publicação.
Em suas considerações iniciais, o professor Lucon salientou que o momento pelo qual estamos passando é muito especial e disruptivo. Para ele, a pandemia é um vetor de profundas alterações sociais e econômicas e esse é um caminho sem volta. O jurista também acrescentou que essa é uma fase de adaptação e renovação na qual as mídias sociais têm sido extremamente importantes e parabenizou a AIDA Brasil pela difusão de conhecimento nesse momento de isolamento.
“Temos que ter uma nova visão não só dos processos, mas também dos comportamentos diferentes em termos jurídicos. É impossível não prestar atenção à recessão econômica que vem ganhando seus contornos nesse momento de pandemia. E nesse contexto, como não poderia deixar de ser, o direito como produto da sociedade também deve se adaptar a essas novas realidades sociais”, afirmou o jurista.
Dentro desse recorte específico, o jurista trouxe à discussão as principais alterações práticas que ele acredita que devam ser ou que já tenham sido implementadas no âmbito específico dos tribunais superiores, em resposta aos efeitos oriundos dessa crise econômica que já se podem antecipar. Ele também falou brevemente sobre a parte procedimental, no que tange aos Tribunais Superiores, Tribunais Locais da Federação, Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais, e destacou a necessidade de se analisar o contexto atual antes de se tomar qualquer posição a respeito do que acontecerá nos próximos meses.
Nesse sentido, o professor Lucon fez um levantamento de como os Tribunais Superiores têm decidido questões relativas a contratos de execução continuada nos últimos meses, notoriamente contratos de seguros. “Descobri que desde o início do período da quarentena, em 16 de março, o STJ já julgou 98 demandas relativas a contratos de seguros. Contudo, não identifiquei nessa amostra demandas suficientes que permitissem traçar um perfil dos principais problemas que serão apresentados nos tribunais superiores nos próximos meses e anos. Nem como a jurisprudência fará a recepção dessa nova realidade”, informou o palestrante.
A pandemia é um evento recente e, de acordo com o professor, as demandas ajuizadas em virtude dos efeitos socioeconômicos da doença ainda tardarão a chegar aos Tribunais Superiores. Ele antevê, porém, um aumento substancial de demandas relacionada ao denominado reequilíbrio contratual, com base em análise do que vem ocorrendo nas instâncias inferiores.
“Somente a título de exemplo, eu analisei cinquenta acórdãos recentes proferidos por esse tribunal, no período entre 17 e 21 de julho, que tratassem diretamente do Coronavírus e versassem sobre questões ligadas a direito civil e direito processual civil”, pontuou.
Dentre as 50 demandas analisadas 22% consistiam em ação de revisão de aluguel, 20% de pedidos de busca e apreensão no âmbito de alienações fiduciárias, 10% versavam sobre pedidos de justiça gratuita e outros 10% tratavam de pedidos de revisão contratual em termos gerais. A maioria das demandas é relativa a ajustes em contratos de obrigação continuada, de trato sucessivo, que se tornam demasiadamente onerosos em virtude da pandemia ou a obrigações que efetivamente foram descumpridas.
Diante desse cenário, é imprescindível se discutir o que deverá ser feito no âmbito dos Tribunais Superiores para que haja o tratamento adequado das demandas em questão. “É possível antecipar que haverá a propositura de novas demandas e isso certamente refletirá na atuação dos Tribunais Superiores. Com o maior número de demandas ajuizadas nas instâncias inferiores os enxutos Tribunais levarão mais tempo para proceder às análises de tais demandas num futuro breve”, endossou o jurista.
Embora o CPC 2015 encontre ferramentas para a litigância repetitiva, ainda existe a necessidade de haver um tratamento de casos que apresentam particularidades em relação à interpretação jurídica. “Vejo que há certa resistência por parte de alguns Tribunais da Federação, mas os recursos especiais repetitivos já tomam corpo antes mesmo da pandemia”, disse o professor.
O professor alerta, entretanto, para o surgimento de demandas que fogem dos enunciados havidos em temas repetitivos e vem causando congestionamento e para a necessidade de se pensar em estruturas jurídicas para tentar antecipar alguns problemas, ao invés de resolvê-lo depois que ele está instaurado.
Na visão do professor Lucon o Código foi muito feliz em introduzir a mediação intraprocessual, e embora exista um movimento muito forte no judiciário de incentivar a mediação processual, ainda existe um déficit de estrutura para incorporá-la plenamente.
“Também vejo com bons olhos o desenvolvimento da autorregulação. Temos, por exemplo, a plataforma do Ministério da Justiça – da Secretaria de Direito do Consumidor, que deu bons resultados. E acredito que assim como ocorre em outros países a autorregulação em breve será uma realidade no sistema de seguros, com criação de procedimentos adequados próprios para a resolução das controvérsias”, avalia o professor, acrescentando que espera que a autocomposição venha em certa medida desafogar a justiça estatal e promover uma efetiva pacificação social.
Em sua exposição, o professor Lucon discorreu ainda sobre a importância de os órgãos jurisdicionais fomentarem o uso de métodos adequados de solução de controvérsias e falou sobre a possibilidade das partes relutarem em relação à adoção das formas adequadas de solução de controvérsias para o deslinde de suas disputas. “É um trabalho cultural de longo prazo, mas que merece ser feito”, garantiu.
Novas Tecnologias
As novas tecnologias figuram como um instrumento importante para o fomento do uso de métodos de resolução de controvérsias, notoriamente no contexto pandêmico e também na atuação junto aos Tribunais. Elas contribuem fortemente para a obtenção de acordos, pois aumentam significativamente a quantidade de informações a respeito de todos os elementos que integram o litígio. Ou seja, uma parte tende a ser mais suscetível à realização de um acordo se dispuser de informações a respeito de suas reais chances de êxito no processo.
Pesam também na avaliação a ser feita pela parte em relação a se celebração de um acordo, informações atinentes ao custo de tramitação do processo, bem como dados referentes ao seu tempo de duração. “Nesse cenário, visando inclusive à prevenção de litígios, a Inteligência Artificial seria uma poderosa aliada no auxílio da pesquisa jurídica, inclusive em matéria de seguros”, avaliou o professor Lucon.
Especialmente em virtude da litigância contumaz que existe no país, o Brasil conta com um dos maiores bancos de dados jurídicos do mundo, sendo a maior parte das informações acessível aos algoritmos, dada a larga implementação do processo eletrônico. Sendo assim, ainda na esfera da prevenção de litígio e do estímulo à autocomposição a base algoritmo poderia ser programada para realizar a compilação e exame de diversas decisões, organizando de forma clara e ordenada o posicionamento jurisprudencial a respeito de determinada questão. Partindo disso, partes ou operadores do direito teriam subsídios efetivos para dimensionar a perspectiva de sucesso.
“Essa base de dados organizada, além de estimular a autocomposição e, com isso, um encerramento mais célere e efetivo do litígio, contribui também para a maior publicidade e transparência do poder judiciário”, disse o palestrante.
Há de se destacar a importância de que o judiciário organize procedimentos internos para lidar de forma adequada com as demandas que surgirão nos próximos tempos. E as tecnologias podem ajudar muito nessa parte. Vale também uma organização dos precedentes que foram consagrados no CPC de 2015. Isso certamente contribuirá para um fluxo melhor de recursos nos Tribunais Superiores, que terão de dirimir uma série de litígios relativos a contratos de execução continuada e sofreram diversas alterações em virtude da pandemia.
Visando à otimização da resolução de tais litígios e o desafogamento dos Tribunais Superiores, uma alternativa viável, segundo o professor, é o estímulo de autocomposição nos meses subsequentes à pandemia, principalmente no que concerne aos litígios ligados a seguros. A implementação da Inteligência Artificial nos Tribunais Superiores também pode ser valiosa aliada notoriamente para a promoção da segurança jurídica. “A organização por alguns programas de Inteligência Artificial que já vem sendo utilizados pelo STJ e no STF certamente irão impactar muito o sistema de justiça do país”, prevê o professor Lucon.
No campo do exercício do direito processual propriamente dito, o advogado e professor reconhece que o Brasil teve uma coragem de adaptação muito rápida às novas tecnologias. Segundo ele, o próprio CNJ editou duas resoluções a respeito do processo no tempo da pandemia a alguns Tribunais da Federação vêm recebendo advogados na distribuição de memoriais. “Há um problema ainda nessas audiências de instrução, pois muitas pessoas ainda não abrem mão de audiências presenciais, mas, de maneira geral, o que se vê é uma adaptação. Não haverá ganho integral na adoção de uma nova sistemática, mas vejo que em termos de sustentação oral as coisas vêm funcionado muito bem”, explicou o professor.
No ponto de vista do professor Lucon ainda é preciso aprimorar essa nova sistemática da justiça para que haja uma melhor construção da jurisprudência, principalmente no que diz respeito aos processos repetitivos.
“Existem problemas relativos à execução. Medidas práticas e materiais tem sido adiadas por conta da pandemia, medidas de urgência também. Tutelas provisórias tem sido difíceis de serem cumpridas dadas essas restrições. Então no campo da atuação prática dos direitos o direito processual tem sofrido muito. E se espera que haja uma sistemática mais coerente com os novos tempos com sistemas de bloqueios de bens. Enfim que consigamos evoluir nessa parte da execução dos direitos reconhecidos por meio do processo”, conclui.

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